sábado, março 27, 2010

POR QUE RAIO ESCREVO?

Uma relação secreta, de algum modo incompreensível mas inegável, existe entre a minha desarrumação e a minha produção.
A escrita é-me consequência de ser uma pessoa tão desorganizada. Escrevo sobre livros porque os perco - e, assim, fabrico uma espécie de estante virtual da minha memória; ou porque, vendo o caos desenvolver-se rapidamente onde quer que eu esteja durante cinco segundos, preciso de começar a escrever para sentir que sou capaz de organizar seja o que for: uma frase, um parágrafo, um conto, uma novela.

É claro que, infelizmente, se a escrita me arruma as ideias - não arruma a casa!

sábado, março 20, 2010

SOBRE PANCADAS

É evidente que tenho uma certa pancada.
Hoje, fui de propósito comprar o Expresso a um quiosque agradável.
Regressei sem ter comprado o jornal.
Porquê?
Porque o vendedor estava a comer uma sandes ao balcão.

Sou estranho!

segunda-feira, março 15, 2010

KANT vs. MILL

Eis como, através de uma breve história, me proponho ilustrar a diferença entre a deontologia kantiana e o utilitarismo milliano.
Preparados? Partamos.

Imaginem um robot binário que reage unicamente a dois tipos de estímulo - a: ao carácter de um aluno perturbador, desses que não se aquietam ao longo de uma aula inteira, conversando, irritando, boicotando; e não-a: ao carácter de um professor inteligente e dotado de uma voz potente.

Perante o primeiro tipo de estímulo, a reacção do robot consiste em prender o referido aluno, sufocando-o vagarosa mas implacavelmente. Podemos imaginar que, sob o terrível abraço, o aluno sinta medo. Mas, quanto mais medo sente, mais o seu carácter de criatura estúpida e repulsiva vem ao de cima e, portanto, o medo só precipita o seu fim.

Nada senão a voz potente de um professor, que diga «Pára!», consegue interromper o fatal abraço.

Vamos presumir que o professor - digamos: eu - sabe que, salvando o aluno, terá de o suportar nas suas aulas por um longo futuro, incomodando-o, infectando a turma, prejudicando a maioria e irritando o próprio e perfeito professor.

(E não me venham dizer que o aluno, profundamente grato ao seu salvador, se arrependeria e emendaria. Porque isso seria num conto de fadas, e o meu registo é outro: o de uma hipótese científica, onde, portanto, todos sabemos que um aluno deste género, salvo pelo professor, se tornaria ainda mais insuportável nas suas aulas).

Deve o professor que passa pelo pior dos seus alunos, vendo-o sujeito ao abraço da morte, pronunciar a palavra salvadora? O decisivo «Pára!»?

Kant afirma que sim. Independentemente das consequências. Independentemente de o professor prejudicar o seu futuro e o da maioria das pessoas que merecem a sua preocupação e dedicação (isto é, os alunos bons e interessados daquela turma). O meu dever é o meu dever. Único e inegociável.

Mill, pelo contrário, pensa que o bem é, tão-só, o que se revela mais útil à maioria: o que beneficia o grupo (ainda por cima de rapazes e de raparigas simpáticos, que seguiriam - se a aventesma os não impedisse - atentamente as aulas).

E, perante este dilema, prefiro calar-me!

quinta-feira, março 11, 2010

INÊS DE MEDEIROS, PÉROLA DA NOSSA CULTURA

Entrevistada pela revista Sábado, Inês de Medeiros afirmou, a respeito do facto de o Parlamento (e portanto o país, e portanto nós) pagar as suas deslocações a Paris, que as pessoas devem achar que ela vai passear para o Louvre e para a Torre Eiffel. Ficamos a saber que não: vai ajudar os filhos com os trabalhos de escola, vai arrumar a casa, vai preparar a ementa para a semana. Acrescenta - como se estivesse a gozar connosco, ou melhor, gozando efectivamente connosco - que, «se o problema é Paris», podem pagar-lhe então o bilhete até Badajoz.

Como a entrevistadora insista, interrogando-a sobre se, na sua opinião, tratar-se de «Paris não é um problema», responde com uma outra pergunta, verdadeira obra-prima de "desconversa": «Está-me a perguntar se acho imoral viver em Paris? Não acho.».

Mas não a largam. Inquirida acerca de se lhe ocorreu, se lhe ocorreria, se lhe pareceria bem, enfim, prescindir desse pagamento, tem a dizer que não. Fazê-lo seria, isso sim, incorrecto. Estacamos. Incorrecto? Sim, porque ela não está interessada em ser santa nem pura! Ah! Bem, sim. Percebem? Ser santa ou pura, aparentemente, seria incorrecto. Seria demagogia e populismo. E implicaria num tratamento inaceitavelmente diferenciado, uma "discriminação": há que cumprir o que está estipulado pela Assembleia em casos que tais.

Talvez compreendamos melhor a natureza desta estranha psicologia quando, a propósito de Sócrates poder ter mentido ao país, Inês esclarece: «Se mentiu, nem acho que seja muito grave!»
Quase sentimos a perplexidade na voz da jornalista:
«Não acha grave um primeiro-ministro mentir ao Parlamento?».
Segurem-se para a resposta:
Que não. Que até houve outro primeiro-ministro que já mentira ao Parlamento. E aí, sim, fora uma mentira muito grave. «[...] o Dr. Durão Barroso quando veio dizer neste Parlamento que tinha visto as provas das armas de destruição massiva no Iraque.».

Já vimos tudo? Ná!
Sabem em que comissão se encontra esta pérola da intelligentzia portuguesa?
Na Comissão... (aaahahahahaha... desculpem, é esta maldita tosse)... de... de... (ahahaha, raio de gosma)...na Comissão de Ética!

E isto dito, agora sim, talvez já tenhamos visto tudo.