terça-feira, junho 29, 2010

CHIPS, SÓ NOS CÃES!

A quem interesse a minha pindérica e desinformada perspectiva, devo dizer que sou avesso a essa ideia de começar a apoiar tecnologicamente as decisões do árbitro. Televisões e chips para ter a certeza de que a bola entrou ou de que um "atleta" (como diria Scolari) está fora-de-jogo? Valha-me Deus! Começa-se assim e, já agora, eliminem o árbitro. Põe-se um tipo sentado diante de um ecrã, com um computador, a fazer cálculos de trajectórias e de intersecções e a estabelecer medidas irrefutáveis. Epá, não sejam ridículos!

E agora vem o contra-argumento que os amigos da tecnologia têm por irrefutável. Os árbitros cometem erros.
Sim, já sabemos. Sim, temos visto. Alguns deles até são comprados, mas, e depois!? Encarem a coisa assim: os erros dos árbitros fazem parte do jogo, são algumas das incontáveis probabilidades de que ganhe A ou B: são tão apaixonantes como os erros dos jogadores, a bola que foi à trave, o guarda-redes que teve uma crise de estrabismo no momento em que devia saltar para a esquerda.

Um computador? E, nesse caso, a quem chamávamos nomes? Ao computador!?!? «Vê-se mesmo que a tua mãe computa!»? E perdíamos a possibilidade de ver o espectáculo divertido que é um homenzinho, às vezes de alguma idade e de alguma barriga, mas também de calçõezitos, a tirar, do bolso, cartões de cores? E a apitar!?

O futebol que evolua para onde quiser. Mas não substituam os árbitros por instrumentos sofisticados. Um árbitro quer-se assim: sem sofisticação nenhuma e a errar grosseiramente, que é para dar mais alma ao futebol.

domingo, junho 27, 2010

É A ECONOMIA, ESTÚPIDO!

Nunca fui um incondicional adepto de Isabel Alçada. Já me vinha dos seus livros, de que não era grande apreciador. Mas a verdade é que, quando a vi no cargo novo, não pude deixar de pensar para mim próprio: Vai ser outra loiça! É uma escritora! É uma intelectual!

Ao estilo de argumentação do engenheiro Sócrates já me habituara. Dali não se espera a verdade, mas a falácia eficaz, ou seja, sem especiais preocupações de subtileza. Julguei que, pelo menos nesse aspecto, a ministra da Educação viesse a ser diferente.

Descubro que não. Que, no governo, existe uma espécie de contaminação. Que um certo estilo de argumentar, que não hesita em distorcer ou esconder as razões mais óbvias, se impõe rapidamente a todos os membros, com tiques idênticos e quase as mesmas palavras.

A questão não é, aqui, a da política que escolhem. A política parece-me péssima, mas se é a que têm para dar ao povo português, certamente será por um certo número de razões: não precisam de as esconder, apresentem-nas. Deixem que as discutam. São motivos económicos? Digam isso! Dizem respeito à crise? Há que poupar? Digam-no - mas não façam passar essas razões económicas por outras de outra ordem: políticas, éticas, pedagógicas. É feio. É falso.

Já ouviram o discurso da senhora ministra acerca do que a motiva a fechar escolas? É um primor de falácia e falsidade. É uma obra-prima de manipulação.

QUASE TUDO PODE SER UM BOM MOTIVO DE OPTIMISMO

Levo o lixo para reciclar.
Observo que a caixa em que transporto as garrafas (de cerveja e de vinho, principalmente) pesa menos do que aquela em que levo o papel.
Presumo que seja um bom sinal.

ENTRE TALENTO E INSENSATEZ

Duarte dependurou, do gradeamento da varanda, duas gravatas minhas, às quais amarrou um banco de crianças - e assim inventou um baloiço de bonecas para a irmã.
Ainda não decidi se o elogie, se lhe ralhe.

quinta-feira, junho 24, 2010

SARAMAGO & CAVACO

Tão simples como isto: Cavaco não compareceu no funeral de Saramago.
Falo com toda a sinceridade de que disponho: acho bem.

Sucede que, neste caso, Cavaco Silva escolheu sem constrangimentos porque já sabia que, qualquer que fosse a sua decisão, acabaria sendo crucificado em nome dela.
Pôde, assim, optar sem peso, guiando-se unicamente pelos seus motivos e pelas suas razões.
Dir-me-ão: um Presidente da República é mais do que o cidadão concreto Aníbal Cavaco Silva. E a sua ausência enquanto presidente constituiu um derradeiro insulto ao Nobel português.
Não estou de acordo. Primeiramente, porque essa separação não pode ser feita. Quando o presidente comparece a uma cerimónia, não deixou o cidadão Aníbal Cavaco Silva sozinho em casa. Leva-o junto, como certos pais que não têm com quem deixar os filhos. Segundamente, porque não vejo na sua ausência uma diatribe, um acto de desprezo. Mais facilmente veria o cumprimento da úlima vontade do falecido. Pois não fora o próprio Saramago a dizer que, a partir da afronta que lhe haviam feito, nunca mais estaria onde Cavaco estivesse, e cuidaria de fazer com que Cavaco não fosse aonde ele estaria?

Cavaco Silva ter ido ao funeral seria, isso sim, um desrespeito. E um oportunismo. Seria o espectáculo infame de um presidente a usar, como bandeira, e para sua glória pessoal, o nome de uma pessoa que o não suportava.

Não vejo na ausência do Presidente um acto de desprezo. Vejo, pelo contrário, um acto de respeito. Este senhor não gostava de mim, pois não me terá a ensombrar-lhe o funeral.
Cavaco fez bem. Não perdeu com isso o país, não perdeu Saramago, não perdeu Pilar.
E, vá, que a vida continue!

quarta-feira, junho 16, 2010

QUEIROZ

Sejamos justos:
O Queiroz tem tido algum azar.
Tem, basicamente, o azar de ser ele o seleccionador nacional.

quarta-feira, junho 09, 2010

NADA DE NOVO SOB O SOL

Esta noite, sonhei que escrevia no Kaostico.
E, juro-vos, todas as ideias que me vinham à mente eram puramente brilhantes.
Quando acordei, lembrava-me de uma ou duas.
E, juro-vos, nenhuma delas era grande coisa.
Conclusão: o sonho acrescenta fé.

Tive outros sonhos. O sonho não sobrevive à transição para a realidade. Recordo-me, acordado, do que em sonho me entusiasmara tanto, e pergunto-me: O quê, era só isto?
Conclusão: a realidade retira fé.

Talvez não fosse mau vivermos no sonho e, à noite, acordarmos um tempo para repousar.

quinta-feira, junho 03, 2010

VISITANDO UMA CASA

Ao vivo, a cores, a moradia pareceu-me imediatamente mais bonita - o que é um caso raro - do que nas fotografias da agência. Se chegássemos a acordo, seria a primeira casa a sério onde moraríamos juntos, eu, Marta e a criança que, por enquanto, morava gratuitamente em Marta: no interior de seu ventre arredondado.

O senhor da agência, ridículo na minúscula gravata de canários, no suor e na ânsia de agradar, ia desvendando qualidades invisíveis, apontando oportunidades em cada recanto.
A dona da casa lembrava uma estaca, seguindo-nos, colada a nós, como se perguntasse «Será agora? Será desta?»; só o dono, em camisola interior e capachinho, se diria deprimido: era um homem magro e triste, que sorria pouco e a quem a vida pouco devia ter sorrido.
De repente, disse, com uma voz inesperadamente aguda:
- Os senhores fazem um mau negócio. A casa está cheia de humidade. Nem é preciso olhar para as manchas, basta sentir. Não vêem, ou não sentem, que estas paredes são blocos de humidade com uma demão de cal?

Fez-se um silêncio demorado.
Podíamos ter tomado as suas palavras como uma piada, mas não nos atrevemos; ou podíamos simplesmente ter fingido não as haver ouvido, como quando alguém solta um incómodo e inconveniente flato. Todavia, aquele silêncio não deixava dúvidas: ouvíramos bem.

O senhor da agência prosseguiu a caminhada. Os seus sapatos, com solas de borracha, chiavam no chão. Optou, quanto a mim bem - embora através de uma série de disparates - por ir diminuindo o que fora dito pelo outro:
- A humidade é até uma vantagem. As pessoas pensam que não. Era como quando se dizia que o azeite fazia mal, e agora já se percebeu que é um fio de saúde. Pois cada vez mais se sabe que os climas húmidos são os mais saudáveis. E olhem, hã? Que tal? Esta vista!? Que me dizem? Venham, venham, deixem-me abrir... ham... ui... esta janela e, hã?, que vos dizia? Gozem esta paisagem única...
- Não se deixem enganar -, aflautou o dono. - Vão construir prédios à volta! A vista vai desaparecer daqui mais depressa do que uma lebre.
- Desculpe lá, mas não entendo -, agrediu o senhor da agência. - Por acaso enlouqueceu?
- Mário! .- admoestava a mulher, com nítido atraso.
- Se continua nisso, vou-me embora. Assim não posso trabalhar. Nunca vi uma coisa destas. Quer vender? Quer vender? Quer vender ou não? Quer vender?
Novo silêncio.
E o homem, na sua flauta teimosa, mais forte do que ele próprio:
- A casa está mal-assombrada. Nunca consegui cá dormir uma noite completa. Nem pensar. Gostam de fantasmas? Isto está cheio de fantasmas, toda a noite, toda a noite. Fantasmas, fantasmas, fantasmas...