sexta-feira, janeiro 27, 2006

E, CONTUDO, VALE A PENA...

Às vezes, muitas vezes, demasiadas, desesperamos. Algo em nós nos lançava a sonhar muito longe, infinitamente longe; as nossas expectativas elevavam-se incomensuravelmente, e à força de irmos percebendo que nada acontece como queríamos, que não tocamos os outros, não tocamos em nada, não transformamos coisa alguma, um bocadinho de alma vai definhando, o cancro da desilução principia a multiplicar-se com mais velocidade do que costumava, e uma manhã damos por nós com vontade de desistir: não drasticamente, mas preocupando-nos menos, sonhando mais baixinho.

Porém, quando menos esperamos, insignificantes sinais fazem-nos pensar de novo.

Uma colega, por exemplo, com quem a minha relação se mantinha dentro da mais estrita formalidade, cordial e distante, desce às minhas páginas bloguianas. Acompanha-me atentamente no blogue da escola, onde colaboro, e deu-se ao trabalho de, a partir daí, seguir-me o rasto até este. E ri-se com o que eu escrevo, ou comove-se. E disse-mo...

Fico, talvez, um pouco embaraçado.

Mas não imaginas, inominada colega - que eu sei, agora sei que vens ler-me - o bem que me fizeste à alma. Porque mesmo quando o vazio parece crescer em torno de nós, e o silêncio, e a distância, afinal acontece percebermos que não falamos no nada, não escrevemos na água, não nos gastamos em vão. Algures, pode ser que alguém nos leia. E ache graça. Ou se comova. Ou se reconheça.

E, portanto, vale a pena.

Vou esforçar-me mais, agora que descobri que, eventualmente, os meus textos têm inesperados destinatários...

segunda-feira, janeiro 16, 2006

O SENHOR PORTUGUÊS SUAVE

Também conhecido por Silva, o senhor Português Suave é um homem que vive num país que tem de si, todo ele, as mais curtas expectativas que se possa imaginar. Como um aluno daqueles que vão à escola unicamente porque o sistema ditou que o ensino é obrigatória até um certo ano - ainda que o mesmo sistema nada consiga fazer para que o «ensino obrigatório» valha efectivamente a pena -, e, já agora, aproveita para comer na cantina, mas prefere vestir a pele do rufia, do rebelde, do que goza, do que se está nas tintas, porque é muito duro encarar a realidade de não ser capaz de ter boas notas, também o português médio se vai habituando a dizer de si que é desenrascado, Xico-esperto, vivaço, foge aos impostos, vai à praia em vez de ir votar, faz manguitos, faz manguitos: aos políticos muito orgulhosos da sua democracia (vá-se lá saber porquê...!), que insistem em que os tomem a sério, aos professores, aos directores, aos patrões.

Nada em Portugal funciona, embora tudo valha a pena. As pessoas não funcionam embora sejam intrinsecamente boas - inúteis mas boas, rufias mas boas, sem perspectivas nem fé, mas boas.
Os livros não funcionam mas valem a pena. Não funcionam porque não há editoras perspicazes, nem ousadas, nem talvez inteligentes, não funcionam porque não há leitores, não funcionam mas valem a pena, mas há Gonçalo M. Tavares, mas há um desconhecido e impublicado Gil Duarte (eu mesmo, sucessivamente desprezado por editora atrás de editora), mas houve (e eternamente estarão entre nós) Eça e Camilo e Vergílio Ferreira...!
As escolas não funcionam mas valem a pena - Ah, que potencial de trabalho, cultura, criatividade, amor ao próximo, devoção desperdiçadas, desprezadas, ignoradas em cada escola...
A televisão não funciona mas vale a pena - basta vermos um programa de «Apanhados», que intercala pequenos «sketches» britânicos, cheios de humor, e as longas teatradas portuguesas, em que primeiro que a situação possa surtir efeito, se vai gastando em penosos diálogos com os «surpreendidos», confusões, muita conversa, muita complicação , basta fazer-se essa comparação para se perceber por que é que o que podia ser simples e engraçado, nas nossas mãos portuguesas se transforma numa chachada - e, no entanto, aqueles dois rapazes, coitados, que se divertem tanto a fazer o programa, são tão obviamente boas pessoas.
Tudo, em Portugal, é feito como uma récita amadora. Prolonga-se, dá-se espaço para exibicionismos gratuitos, fala-se de mais. Às vezes, perguntamo-nos: «Não seria mais fácil fazer melhor?»

Não. Preferimos complicar. Habituámo-nos a dar um pouco mais do que os outros no sentido de fazer muito pior! Não nos poupamos a esforços para conseguir que saia mal.

Temos aí os candidatos a presidente, que não me deixam mentir.