quinta-feira, maio 28, 2009

AFORISMO SENTIDO

Os gostos comuns e partilhados, quase sempre nos dividem e separam profundamente.
Tanto como os gostos diferentes podem aproximar as pessoas...

sexta-feira, maio 22, 2009

terça-feira, maio 19, 2009

UMA HISTÓRIA CADA VEZ MENOS RECOMENDÁVEL

O senhor T. soube imediatamente da maledicência. No bairro social tudo se sabia, se não pelo sapateiro coxo, pela viúva dos galões com torradinha, se não por ela, pelo drogado que não largava os transeuntes enquanto lhe não aviassem uns trocos.
O senhor T. ficou furibundo.
E um dia, telefonou a Dona B. que, quando lhe reconheceu a voz esqueceu tudo, o ressentimento e o rancor, a tristeza.
Contudo, o senhor T. vinha seco como... como... não sei, por ora só me ocorrem comparações sem lustro: vinha com uma voz seca, enfim.
- Dona B . - regougou ele -, se eu sei que a senhora diz mais uma palavra, uma que seja, acerca de mim, da minha mãe, dos meus sobrinhos, garanto-lhe que eu conto o seu segredo à polícia!

Dona B. não tinha qualquer segredo. Se tinha, não se lembrava. Que seria? Mas o certo é que aquelas palavras a atingiram como se o tivesse. A verdade é que acreditou que tinha um segredo grave e profundo que, por qualquer razão, a polícia gostaria de saber. Ou não gostaria de saber. Estava confusa. E culpada, sentia-se terrivelmente culpada por carregar um segredo tão terrível e tão oculto que até ela o ignorava.

Eis a origem de tudo: foi a partir daqui que decidiu - e principiou a planear meticulosamente - o assassínio do senhor T.

Havia que preservar o seu segredo.

segunda-feira, maio 18, 2009

UMA HISTÓRIA POUCO RECOMENDÁVEL

Dona B. devia ao padeiro e devia na mercearia.
Não devia à sorte, não devia à natureza, que lhe fora madrasta, não devia à saúde (embora devesse na farmácia) e nada devia à bondade. É até aceitável que uma pessoa como Dona B. nada devesse à bondade: uma criatura minada por uma doença maligna, com uma corcunda que se desenvolvera tragicamente nos últimos anos, feia como os palavrões mais obscenos, que diabo!, teria alguma razão para ser bondosa?

Houve um período curto e brilhante de equívoco na vida, quando julgou que uma família de vizinhos seus (uma idosa e o filho mais os netos dela e sobrinhos dele) se interessava pela sua pessoa. Os meninos, por exemplo, procuravam-na para lhe oferecerem desenhos - que ela aceitava, comovida, dizendo «Ah, que lindo! Vou já pendurar na parede» e que retribuía com uma notita de cinco euros, sem perceber que os garotos não lhos ofertavam senão por causa dos cinco euros...

Mas, mais que os meninos, havia o senhor T., barbudo e bondoso, que a levava a passear, a pé, por tardes soalheiras, conversando muito com ela, perguntando-lhe pela saúde, conduzindo-a, depois de um cafezito, de regresso à porta.

Um dia, o idílico equívoco explodiu em fragmentos duros.
Dona B. já nem se lembrava bem do que sucedera. Seria porque uma vez não tinha à mão cinco euros para os garotos? Ou porque estes não lhe haviam feito um recado? Ou a avó dos miúdos, Madame Márcia, afiançara, ofensivamente, que era mais doente do que a própria Dona B? Alguém da família lhe recusara uma das prendas com que, no fundo, Dona B. lhes comprava o interesse e o carinho...? Já nem sabia. O pior foi que, como numa corrente de peças do dominó a fazer tombar sucessivamente a seguinte, também o senhor T., filho adulto de Madame Márcia e tio dos garotos, que vivia com esta e com estes, começou a não ter tempo, ou a não ter paciência para as conversas e para os passeios com Dona B.

O que Dona B. não lhe perdoou: e, portanto, começou a dizer mal da família vizinha em geral mas, principalmente, do senhor T.

sexta-feira, maio 08, 2009

CONVERSA ACABADINHA DE SUCEDER

No Bar da escola:
EU - Já cá está? Cedíssimo, caramba. E mora longe, não é? Então a que horas é que acorda?!
DONA - Ai, às cinco horas da manhã, professor...
EU - Cinco? Mas com certeza que se deita com as galinhas...
DONA - Nem por isso, é conforme. Olhe, quando joga o Benfica é até às tantas..! [A chorar no pós-jogo, penso eu, mas não digo, mas não digo...]
EU - Ah, estou a ver. Mas sabe, precisar de poucas horas de sono é próprio dos génios. Por exemplo, o Professor Marcelo...
DONA - Ah, não é o meu caso. Eu sou Sagitário!