quarta-feira, setembro 22, 2010

O VÍDEO

A sra. dona ministra da educação, querendo mostrar uma perfeita sincronização com a linguagem e os meios usados pelos adolescentes, colocou um vídeo no youtube, em que lhes dá umas lições.
A senhora dona Alçada, desculpar-me-ão, pôs-se a jeito. Já viram o vídeo? Não é que seja mau. Nem digo que seja disparatado. Em rigor, é péssimo - e a palavra "disparatado", no caso, seria uma espécie de eufemismo. Quase um elogio.

A ministra, com a bandeira portuguesa em fundo, ensina aos jovens que estudar é assim uma espécie de ginástica ao cérebro; que dormir faz muito bem; abre muito os olhos, para se mostrar viva e esperta, enquanto selecciona pelavras simples (e ridículas) para se dirigir à malta.

Rui Unas pegou no vídeo e dobrou-o. A senhora ministra, que queria estar sincronizada com a linguagem cool dos jovens está agora, de facto, perfeitamente sincronizada: aparece, graças à operação de Unas, a falar sobre como os portugueses devem fazer sexo.

É indecente? Era indecente no original. Uma senhora a ensinar aos miúdos que deviam estudar? «Fazer ginástica à massa cinzenta»? Ora adeus. Agora ensina que podem fazer outro tipo de ginástica. Garanto que os putos, desta feita, vão certamente visitar o vídeo. Eu cá estou ansioso por ir espreitar a versão do Unas. Talvez agora aprenda, finalmente, alguma coisa com o ministério da educação.

domingo, setembro 19, 2010

MEIO SÉCULO + THREE YEARS OLD

Hoje, faço 53 anos, leia-se: meio-século mais 3 anos. Confesso que já começo a sentir uma impressionante e deprimente saudade dos meus 52 anos. Aquilo é que era uma idade! Aquilo é que era bom!

Tive, à meia-noite, a mensagem que me consolou. Após essa, nenhuma outra. Já rascunhei e gravei até, no telemóvel, um sms, que, daqui a mais umas horas, começarei a enviar, indiscriminada e anonimamente, aos meus amigos e às minhas amigas, lembrando-lhes: «O Gil Duarte faz hoje anos. Não te esqueças. Passa a palavra».
Mas não será descer demasiado baixo?

É verdade que o meu filho já conseguiu que eu, coração de manteiga como sou, vertesse algumas lágrimas.

Entrou-me pelo quarto adentro, mais a prima, que está passando uns dias connosco (uma eternidade, de facto...), rasgando o melhor do meu sono, aos gritos de PARABÉNS!
Vinha em cuecas, tronco nu, peúgas. A miúda, com este calor, estava num pijama de flanela.
Traziam-me um carinhoso pequeno-almoço: ovos mexidos, crus e salgadíssimos, um sumo de laranja azedo como um raio (terá sido feito com limões?) e, o pior de tudo: uma xícara de café frio. Nem sequer gelado, porque aí poderia ter-me convencido a mim mesmo de que estava bebendo um refresco de café. Mas naquela triste e irreversível temperatura que não deixa dar, ao café frio, outro nome que não este: um café frio.

Sentaram-se no chão, cheios de carinho, expectativa, como cientistas observando uma cobaia. Estampei, com arames, um sorriso de gratidão no rosto. Controlei os esgares. Os seus olhos brilhavam de alegria. Os meus brilhavam, mas de lágrimas. (Sobretudo na parte do sumo... mas o café também me fez chorar, sim!)

Há torturas que nenhum Guantánamo se lembrou de perpetrar. As bem intencionadas são seguramente as piores. E se, em face da dolorosa experiência, temos ainda por cima de mostrar um olhar doce e um sorriso querido e grato, então, são verdadeiramente insuportáveis.

O dia não acabou. Ainda mal começou. Espero um alegre grupo de gente idosa (como eu, aliás), com medicamentos e depressões. Uma senhora virá com uma botija de oxigénio sobre rodinhas. Falo a sério! Vou, portanto, ter diversão a rodos!

Estou cada vez mais cínico? Pois, pois. Gostava de vos ver no meu lugar, queridos amigos e amigas...

terça-feira, setembro 14, 2010

FUNERAL LONGÍNQUO

A ideia foi do Jorge, e este expô-la assim que saíram da agência funerária. Mas o problema é que Jorge sempre fora um cínico e, portanto, como é evidente, não o levaram a sério.
A sua mulher deve tê-lo admoestado, com um «Jorge!», entre dentes, que significava: «Querido, há mesmo coisas com que não se brinca!»
Alípio, por acaso, riu. Podia, às vezes, não apreciar o humor negro e corrosivo do seu irmão, mas, naquele momento, aceitou a piada como uma forma de, palavras suas, «desdramatizar a situação».

Porém, a ideia de Jorge não era brincadeira alguma. Na agência funerária haviam-lhes exigido centenas de euros para conduzir o corpo frio de dona Hermengarda até ao cemitério de Pedrão Velho do Sul, aonde a senhora queria ser enterrada, como sempre dissera, ao lado do defunto.

Centenas de euros, para lá de seiscentos, isso não podia ser. Não que dona Hermengarda não merecesse: mas, em vida, coitadita, viajara muito. Chegara a ir à Terra Santa, numa daquelas peregrinações, meio doidas, do Padre Dinis; fora de avião à Polónia, para observar a Virgem de Cszwicz, que chorava lágrimas autênticas; estivera muitas vezes em Paris («Para ver as igrejas», como repetia, ecoando, tardiamente, o Raposão de Eça de Queirós), de forma que, ao morrer, morria limpinha, como nascera. Não deixava um vintém. Os rapazes, por outro lado, não tinham dinheiro que se não esgotasse todo na família e na casa. (Alípio, aliás, estava desempregado). Seiscentos e tantos euros? Tirados de onde? Como?!

A estranha ideia de Jorge - enrolarem a senhora numa carpete e levá-la, na capota do automóvel - era uma solução que sempre permitia colocá-la no cemitério de Pedrão Velho do Sul. (Lá muito para o Norte!). A alternativa seria enterrá-la nos Prazeres. Coitada.

E, portanto, quando, não se sabe como nem porquê, a ideia começou a ser tratada a sério, Jorge dispôs-se de imediato a dirigir a operação.

E em certa manhã de Dezembro, já muito fria, arrancaram, muito cedo, num Fiat Panda, com uma respeitável e fúnebre carpete fixada ao alto.

Comeram chouriço no carro, durante a viagem. E água, beberam muita água. Só pararam às seis horas da tarde para fazer chichi e tomar café, numa estação de serviço. Choraram de saudades, comeram empadas, muito boas, aliás, a esposa de Jorge bebeu uma meia de leite e, refeitos e satisfeitos, prepararam-se para tornar ao automóvel.

O automóvel lá estava. A carpete, bonita, vistosa, não. Haviam-na levado. Escória. Se querem saber já o fim da história, devo dizer-vos que nunca, nunca, nunca mais voltaram a encontrar a carpete - ou o corpo!

Em si mesma, claro, está história é trágica.
Não impede que Alípio - e mesmo Rosa - tivessem soltado algumas gargalhadas, não muitas, mas uma ou duas, quando Jorge comentou, à laia de consolo:
«Eu só gostava de ver a cara dos larápios, quando desenrolaram a carpete e deram com o corpo da mãe!»

domingo, setembro 05, 2010

AMERICA'S NOTEBOOK IV

1. Num dos primeiros dias que passámos nos states, primo & Andy (sua esposa) levaram-nos a uma encantadora e típica aldeia, Fayetteville. É uma terra que vive da preservação de uma certa imagem: parece que entramos numa vilória dos "Good Old Times" americanos: alpendres em madeira, picket fences, cadeiras de balanço; um sótão, camas de época, quadros. Não existem grandes negócios: a aldeia vive de arrendar essas casas a turistas que queiram sentir-se como Huckleberry Finn; lojas de "antiques" (com vestidos e chapéus, malas, sapatos, polainas); restaurantes; um drugstore; um museu de comboios.

2. Eis um aspecto em que os americanos são verdadeiramente fabulosos: com uma história tão curta, e tão ciosos dela. Num parque de Houston, por exemplo, encontram-se transplantadas as casas de madeira onde viveram alguns pioneiros.

3. Encontro livros, de autores europeus, que seriam pouco acessíveis na Europa. A minha grande compra é uma tradução inglesa de Nietzsche - na verdade, os textos preparatórios de uma série de aulas que este leccionou, acerca dos filósofos pré-platónicos, e que sucessivos tradutores europeus negligenciaram ou ignoraram.

PSIQUIATRIA POLITICAMENTE CORRECTA

A experiência mostra-me que nada é tão terrível, para um jovem e recém formado psiquiatra, «politicamente correcto», do que ouvir chamar maluco a um maluco.

quinta-feira, setembro 02, 2010

AMERICA'S NOTEBOOK III

1. Lembro-me de ter ficado profundamente surpreendido quando, à minha chegada ao aeroporto de Houston, ouvi, em todos os altifalantes, uma voz feminina que, delicadamente, nos advertia: «Please, be carefull with unnapropriate jokes and remarks!»

2. Meu filho, de quinze anos, tinha, dos states, a ideia de um país racista, rasgado por situações em que polícias brancos espancam, por todo o lado, jovens negros ou latino-americanos, cuja culpa não fora provada; já eu, pelo contrário, transportava a ideia do país «politicamente correcto», desprezando e rejeitando, como racista, qualquer referência ao facto de haver pessoas diferentes. Esta estranha - e, é verdade, ridícula - forma de me receberem no aeroporto vinha dar-me razão. Por algum motivo os EUA são os inventores do "politicamente correcto".

3. É indiscutível e é evidente, a cada passo, que os EUA se tornaram uma verdadeira manta multirracial e multi-cultural. Vejo, numa cerimónia universitária, como, na enorme quantidade dos estudantes que, entrando em medicina, recebem a sua bata branca - ou, por enquanto, enquanto estudantes, o seu curto "casaco branco" (nisso mesmo consiste "the white coat cerimony") - existem brancos, negros, sul-americanos, indianos, chineses.

4. Deste ponto de vista, começo a entender a filosofia do "politicamente correcto", com os seus medos, preconceitos e complexos, como, mais do que uma corrente entre as diversas correntes culturais da América do Norte, a possibilidade oficial de as reconciliar todas, evitar tensões, suprimir mal-entendidos, ignorar diferenças, numa "igualdade" institucional a que as almas românticas são imediatamente sensíveis.

5. Dizem-me alguns brancos, com os quais conversei, que a única forma de racismo natural e generalizada, nos EUA, é a da comunidade negra. Limito-me a registar.

quarta-feira, setembro 01, 2010

AMERICA'S NOTEBOOK II

1. Os europeus habituaram-se a olhar para os americanos como para uma súcia de primitivos ricos. Aparentemente, toda a sofisticação teria ficado guardada na Europa. (Duvido que em Portugal...); os EUA seriam, portanto, um país de gordos, alimentados a McDonald's, Schwarzenegger e Simpsons.

2. Os europeus menos centrados sobre si próprios e menos iludidos, já sabiam que não é bem assim. Reconheciam o papel dos judeus norte-americanos, na literatura ou no cinema, como inteligente, inovador, culto e subtil. (Philip Roth, por exemplo, ou Woody Allen). Mas os judeus, mesmo os norte-americanos, são sempre uma espécie de europeus. E a judaica Nova Iorque parece-nos ser, no seio dos EUA, um luminoso enclave quasi-europeu...

3. Tudo isto é errado. Venho de Houston, no Estado do Texas, onde visitei um museu extraordinário, o Museum of Houston Fine Arts, que me apresentou, a par de pintores norte-americanos que gostei de descobrir, alguns quadros de Van Gogh, alguns de Cézanne, um Mondigliani de me fazer vir as lágrimas aos olhos, diversos Picassos, obras do sublime Pizarro, com os seus inesperados ângulos e a sua cor discreta, como sob neblina...

4. Podemos dar um salto da arte para a culinária? Hambúrgueres? Muito bem, pois falemos de hambúrgueres. Comi, em Houston, os melhores da minha vida - num restaurante médio, ou seja, não talvez dos mais caros, mas, certamente não, também, um fast-food. Com uma arquitectura impressionante, misturando paredes de tijolos vermelhos, de beco, e lustres resplandecentes, mesas de boa madeira, empregados risonhos, simpáticos, cocktails de se chorar por mais...

5. Ainda em torno da comida, reflicto, por comparação, que em Portugal não há restaurantes italianos. Vá lá, sejamos sérios. Esse é, entre nós, o nome que damos a umas casas que se especializam em pizzas pré-congeladas e massas. Mas em Las Vegas, para referir um exemplo, os restaurantes italianos onde comi são verdadeiros e puros restaurantes italianos, com empregados italianos, vinho italiano, pratos confeccionados por profissionais a sério, competentes no detalhe e refinados. Não existe assim tão italiano em toda a Europa. Talvez na Itália? Ora, ora. Suspeito que nem aí!