A verdade em nome da qual há almas que se indignam não é senão uma certa maneira de dar a ver algumas coisas e esconder algumas outras: se fossem reveladas as coisas que se escondem e escondidas as que se dão a ver, talvez que as almas que hoje se indignam tivessem de se justificar.
[Suspeito que qualquer leitor que concorde com o que acaba de ler, concorda porque reconhece outros neste aforismo. Não a si. Peço desculpa por incomodar...]
quarta-feira, março 18, 2015
terça-feira, março 17, 2015
A ENCARREGADA
A Encarregada de Educação senta-se diante de mim.
Sorri-me geladamente. Um arrepio risca-me a coluna.
Diz:
«Venho ter consigo, professor, porque não gosto de pontas soltas.»
Penso:
«Pronto! Vai matar-me!»
terça-feira, janeiro 20, 2015
CHRISTINE LAGARDE
Será que a Christine Lagarde é uma mulher tão horrorosa como parece, dura e fria, qual mulher-gelo que segue seu imperturbável curso, sem mover um fio de cabelo ou fazer estremecer uma ruga, enquanto de um e de outro lado morrem velhinhos e choram criancinhas, à míngua? Ou é um preconceito machista - uma ideia de "gajo" que se sente incomodado por ver uma mulher em tal posto?
Que morrem velhinhos e choram criancinhas, morrem e choram.
Eu próprio choro, às vezes [o que não prova que seja uma criancinha, nem prova que não seja já um velhinho.]
Detesto Merkle, e vejo com maus olhos Lagarde.
Será que são bruxas?
Ou será que sou machista?
segunda-feira, janeiro 19, 2015
POSSIVELMENTE PENSARÃO QUE ESTOU COM GRIPE É DA CABEÇA
Não fazia a menor ideia de que a casa que arrendei tinha fantasmas. Como é possível, tratando-se de um apartamento num prédio de construção recente?
A razão por que nunca os encontrara é simples: evitaram-me. [Devo ser tão má companhia que até os fantasmas me evitam.] Suponho que ficaram algum tempo sossegados, observando os meus hábitos, registando a minha rotina. Depois, adaptaram os seus horários aos meus, em contracorrente: enquanto eu saio para trabalhar, instalam-se. Produzem vinho branco. Quando regresso, desaparecem. Refugiam-se. Vão dormir, ou fazer o que quer que os fantasmas façam quando não andam a assombrar ou a produzir vinho.
Hoje, faltei. Caçado por um princípio de gripe que não me deixava andar, nem correr, nem meditar, nem cantar ou ver televisão, sem medicamentos nem coragem para sair à rua a comprá-los ao frio, os membros doridos, a cabeça mais pesada do que o habitual, enfiei-me na cama e desliguei.
Ao acordar, vi-os. Na sua azáfama, muito brancos, ou diáfanos, como outros tantos engripados, invadiam o espaço, atravessavam paredes, planavam, produziam.
O vinho branco que eles fazem, aliás, é de excelente qualidade.
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um gajo doente não é realmente o mesmo
segunda-feira, dezembro 22, 2014
JÁ NADA É COMO ERA NO NATAL
Atrás de um balcão quadrado, que o cercava
por todos os lados, o homem que embrulhava os objectos trazidos pelos clientes das
inúmeras lojas do centro comercial era um tipo de certa idade, mãos levemente
trementes, movimentos vagarosos, como se estivesse a provocar-nos; o seu bigode
branco, amarelecido pela nicotina, sugeria uma severidade a que a sua simpatia
e timidez não correspondiam. No momento havia poucas pessoas. Mas era época de
Natal. A afluência de multidões encantadas por cânticos não tardaria. Talvez o
homem pudesse apressar-se, pensei; talvez estivesse a fruir o facto de sermos por
enquanto poucos, para se dedicar com tempo a nós: mais atenção e carinho a cada
um. Mas os seus dedos não tinham virtuosismo, nem habilidade, o papel
dobrava-se hirtamente sobre os pacotes que lhe entregávamos, a fita demorava
infinidades a cruzar-se num laço final. Pressentia-se mais surpresa do que
impaciência entre os que esperavam. Cruzavam-se olhares de espanto, sem
qualquer ironia. Eu trazia uma garrafa de vinho do porto. Uma angústia
principiou a concentrar-se. Mas uma angústia que não eliminava de todo certa
curiosidade: O gajo vai conseguir embrulhar uma garrafa? Quando chegou a minha
vez, perguntei, precisamente:
«Diria que uma garrafa é embrulhável?»
E ele respondeu, como perante um desafio
infantil,
«Vamos lá a ver o que se pode fazer», rindo-se
pelo nariz.
Observei, numa aflição que o homem não
partilhava, o papel vermelho sendo mal rasgado no suporte, a garrafa – a minha
garrafa, ou melhor, a prenda que eu escolhera para o meu primo – tombar com um
ruído de vidro sobre a mesa, os dedos inábeis reiniciar sucessivas tentativas
de a cobrir com um papel que, nas suas mãos, se tornava demasiado duro, como
uma lâmina colorida. A operação demorou muito tempo. Pediu-me que pressionasse
a fita com um dedo de forma a poder executar um laço. E ao fim de uns vinte a trinta
minutos fui-me embora, remoendo o meu espanto, com um embrulho pouco uniforme, com
aberturas imorais, como uma mulher que, entre os botões da camisa oferece ostensivos
convites para se olhar (na verdade, sejamos justos: mais com a imaginação do que
com os olhos…)
Feliz Natal.
quinta-feira, dezembro 11, 2014
e afinal o que é o tempo?
só tenho dúvidas em relação ao presente: como o passado já não existe e o futuro ainda não existe, posso reinventá-los como bem entender. Mas reinventar o presente é mais complicado: a realidade resiste-me muito.
terça-feira, dezembro 09, 2014
PARADOXO, QUEM SABE?
O detective iniciava sempre a manhã de cada dia lendo uma página de um livro, que abria ao acaso, sobre pensamentos que nos aproximam de Deus. Era um livro estreito, de capa azul - e tinha na contracapa a inesperada fotografia da autora, uma velhinha com óculos de massa e carrapito. Lia em voz alta, atento, imbuía-se da mensagem do dia, e só depois partia para as suas investigações.
Nestas, como em tudo o mais na vida, permanecia o mais racional dos homens. Era um detective, que diabo!
terça-feira, novembro 25, 2014
SÓ ARES
Leio que, num artigo extenso, Mário Soares se insurge contra o aparato promovido para a detenção de Sócrates e contra a comunicação social. Afirma que os «democratas estão muito preocupados». Imagino o calibre dos democratas que andam preocupados. Seria a altura de se fazer uma averiguação às contas de outros pretéritos primeiros-ministros?
domingo, novembro 23, 2014
O SENTIMENTO ANTI-POLÍTICO
Ora muito bem.
Uma civilização incorpora certos benefícios de que se não pode abrir mão.
A higiene é um deles. A democracia, dir-se-á, outro.
A democracia tem uma base ideológica mínima. Assentes nessa base, divergimos, discutimos, argumentamos, optamos, votamos. Mas a base, avisam-nos eles, não se discute.
Dessa base mínima faz parte o respeito pela política e pelos políticos.
Quando grassa um generalizado «sentimento anti-político», devemos combatê-lo. Insistem eles. O «sentimento anti-político» é uma espécie de pecado capital da democracia. Aí principiam todos os populismos; aí se entronca a pior demagogia: a História mostra-nos consequências possíveis e quem sabe se cada vez mais prováveis.
Os Lellos e os Coutos dos Santos desta vida propuseram a reposição da malfadada subvenção vitalícia dos senhores que hajam passado pelo parlamento.
Os PS e os PSD deste mundo preparavam-se para se unir neste ultraje aos portugueses.
Entretanto, o Sr. José Sócrates acaba detido para averiguações. Assumo a presunção de inocência: mas não posso ignorar que alguma coisa há-de estar, no mínimo, embrulhada no passado deste homem.
Eu sei que o «sentimento anti-político» é injusto. Eu sei que a democracia é um bem precioso. Eu sei que as pessoas que se dedicam à causa da política não são todas iguais. Mas, caramba, então não sejam todos tão iguais. Caramba, criem mecanismos para que se não confundam todos. Bolas, afastem-se dos arrivistas, não tomem chá com eles, nem imperiais; sobretudo não lhes aprovem as propostas, não vão atrás de gente ruim: antes sós que mal acompanhados. Façam-nos sentirem-se mal no meio de vós.
A minha mãezinha dizia: «Se queres que te respeitem, tens de dar-te ao respeito.»
E nos limites da minha indignação, este é o texto mais justo que consigo.
segunda-feira, novembro 17, 2014
PSSST, OLHA EU AQUI À ESPERA
Dizem-me que os blogues não estão na ordem do dia; que já se não usam; ora. Porquê?
Por mim e para mim, o blogue é a ferramenta certa. Escrevo sobre o que quero. Vejo em ecrã o que estou a escrever. Actualizo-me rapidamente, publico em cima dos acontecimentos. E tenho leitores, que ainda por cima podem comunicar comigo.
É verdade que algumas dessas qualidades são potenciais. De facto, já não tinha muitos leitores no "Kaostico". [De kaos e caústico: brilhante, não? Não sei se original, mas muito bom...]; como entrei por uma longa interrupção, suponho que acabei por perder os 2 ou 3 que me assistiam. Uma possibilidade é chamá-los através do "facebook", mas bolas! O meu amigo Carlos vem confidenciar-me que o "facebook" também já teve o seu boom: há dois ou três anos, diz-me ele. Agora são pessoas fechadas nos seus círculos.
Eu vou-me afoitando nas novas tecnologias. Infelizmente, ao que parece, descobrindo-as quando já deixaram de ser novas.
Se vierem espreitar o blogue, não deixem de prestar atenção às etiquetas. Perco muito tempo a inventá-las.
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