sábado, fevereiro 10, 2007

UM RESMUNGO A PROPÓSITO DA EXTINÇÃO DE UM PROJECTO PROMISSOR

Repentinamente, descobrimos que a magnífica iniciativa que tanto nos motivava para separar o lixo - que não é propriamente a mais agradável das tarefas, pese embora a sua importância - era uma experiência de curta duração, um teste, um projecto piloto. Chegou ao fim. Não se percebe bem por que razão, já não faz sentido dividirmos a porcaria pelos caixotes que nos tinham oferecido, o amarelo para os plásticos, o azul para o papel, etc etc, e não faz, sobretudo, sentido fixarmos os dias da semana em que devemos pôr cada um dos caixotes à porta para o camião da «Tratolixo» o despejar. Não faz sentido, porque o camião da «Tratolixo» deixará de passar.

Hoje, pela primeira vez em meses, tive de voltar a arcar com um caixote e caminhar com ele, protestando muito, seguido por uma quantidade de cães e de moscas, até ao eco-ponto mais próximo que, tal como as farmácias de serviço quando delas precisamos, nunca é suficientemente perto; e tive de, aí parado, entre dejectos que enchiam o chão em redor do local, pegar no lixo com as mãos para o enfiar, aos poucos, por uma ranhura estreita, como quem coloca sobrescritos num marco de correio. Todo este espectáculo, como se imagina, atentamente observado por um bando de mirones: dois idosos de boina, um deles de bengala, o outro com um palito entre os dentes, e quatro fedelhos encimados por bonés de pala virada para trás. Um dos dos idosos rouquejava qualquer coisa: talvez me desse conselhos. Sobre como pôr melhor os pedaços do lixo? Ao que eu desci...!

O problema não é este. O problema é que, por qualquer razão e com uma explicação que nada explica, se matou, praticamente à nascença, um projecto promissor. Vai regressar? Melhorado, tecnicamente aperfeiçoado? Ousou, no fundo, esperar que sim. Mas ouso, à superfície, duvidar.

Porque a questão portuguesa, a grande questão portuguesa, não é a falta de inteligência: o aparecimento desse projecto mostra-o bem. A questão portuguesa, a grande questão portuguesa, é a estupidez ser menos tímida, estar mais enraizada e esmagar muito cedo o que quer que valha a pena: a extinção desse projecto mostra-o bem

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