Em 2005, Virgílio Caeiro, não tendo conseguido suicidar-se, decidiu não largar mão de todas as possibilidades contidas na ideia do suicídio.
Resolveu, por isso, encenar a sua auto-morte. Pensou, por um lado, que poderia assim ver, de longe, quem é que, afinal, o amava e quem o não amava. Quem o choraria muito, o choraria pouco, o choraria assim assim. E quem não verteria uma única e solitária lágrima. Por outro lado, considerou que, na qualidade trágica de homem que pusera termo à vida - mesmo não tendo posto efectivamente termo à vida -, conseguiria publicar finalmente a sua obra. Ele, que sempre fora desprezado pelas editoras. Que fora cuspido pela sra. dona Zita Seabra, quando lhe quis apresentar o seu manuscrito. Empurrado pelo chefe da Teorema, aquele de óculos e bigode, quando tentou propor-lhe o seu original. Ora bem: depois de morto, sob a aura de um suicídio, atrairia como moscas todos os publicadores. Talvez até espanhóis. E holandeses.
Encenou, portanto, o dito suicídio.
Mas como se faz isso? Tentou experiências, ensaios, desenhos; contratou actores.
Mas.
Enganou-se na faca. Tinha de realizar a performance diante de uma máquina que filmava tudo: ia ser lindo! um hara-kiri, esteticamente perfeito! Só que em vez de usar a faca falsa, utilizou uma, de cozinha, com o imperdoável defeito de ser autêntica.
Aflito, desesperado, experimentando levantar-se e urrar por socorro, amparou-se à mesa de trabalho, derrubou-a, e deixou cair na lareira todos os seus manuscritos - os quais reunira sobre a secretária, para que os descobrissem quando dessem com o seu corpo (que, obviamente, no seu projecto inicial, não deveria ser realmente o seu corpo, mas um boneco que os actores contratados, mascarados de bombeiros, rapidamente fariam desaparecer...). E os textos que cairam na lareira acabaram por arder. Deram, de resto, um bonito lume, não se pode dizer o contrário.
Quando os «bombeiros» chegaram, como combinado, ficaram um pouco surpreendidos. Em vez de um corpo de boneco, encontraram um corpo de boneco e um cadáver real.
Em vez de manuscritos que deveriam salvar e enviar às editoras, acompanhadas de uma folhinha com as últimas palavras do morto, encontraram cinzas. E um belo fogo, isso, realmente, não se pode negar.
Foram-se embora, cabisbaixos. Ninguém lhes pagou.
Em suma, um suicídio nem sempre tem os resultados esperados. Às vezes, um gajo morre mesmo.
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