terça-feira, novembro 30, 2010

CINISMOS SINCEROS

Quando estamos à espera de alguém e alguém não vem, às vezes não é tão mau como isso: que bem nos sabe a frescura da súbita, inesperada solidão da liberdade.

segunda-feira, novembro 29, 2010

AFORISMOS KAÓSTICOS

Não se diga que não há felicidade. O único problema é que esta reside unicamente no passado ou no futuro: não sei porquê, mas salta sempre sobre o presente.

INKÉRITO-CÉPTICO

Será que nenhum dos «cientistas» que produzem inquéritos e sobre eles trabalham se apercebeu - através do simples recurso à sua experiência pessoal - de que nuncanuncanunca se responde a um inquérito com sinceridade?

Mesmo num inquérito anónimo - a não ser que fôssemos anónimos para a nossa própria consciência, o que não sucede - tendemos a mentir a nós mesmos.

Hoje, respondi a um inquérito; cinco minutos mais tarde, olhei para as respostas e percebi que, se voltasse a fazê-lo, responderia a quase todas diferentemente.

E será que nenhum fabricante de inquéritos distingue entre juízos de facto e juízos de valor? Será que não têm mesmo noção de que as suas perguntas pressupõem «ideias feitas», preconceitos, valores pré-definidos?

domingo, novembro 28, 2010

AFORISMOS KAÓSTICOS

O desapontamento é, por si só, a prova de que alguns erros são muito mais intreressantes do que a realidade.

Ilustro esta afirmação: fiquei triste no dia em que descobri que um certo jogador do Benfica se chamava Saviola (como confirmei lendo o seu nome, impresso) e não Sá Viola (como sempre tinha ouvido...)

AFORISMOS KAÓSTICOS: SINAIS

Só posso indignar-me, num país em que as pessoas ousam ostentar tantos sinais exteriores de pobreza!

FREUD ATACA DE NOVO

- O que eu vejo aqui, senhor doutor, é um extraordinário par de mamas!
- Meu caro, tenho de ser sincero. Não devia pôr as coisas assim, mas na fotografia do chapéu de Napoleão o senhor descobriu um pénis, na foto da floresta amazónica descobriu um púbis, nas dunas de uma praia descobre mamas. Estou farto desta sessão! Aliás, isto não é uma sessão, é uma obsessão. A sua obsessão sexual é impressionante!
- Logo vi! «Obsessão sexual»? Bem me tinham dito que os psicanalistas vêem sexo em tudo!

PS: Já agora, antes que desatem a criticar-me a falta de rigor: confesso que a amplitude da liberdade criativa é, aqui, imensa. Bem sei que os psicanalistas não costumam pedir que se interpretem fotografias. Mas, caramba, se a um apetecesse fazê-lo, hein? Não podia, não?!

A MOSCA E SEU DUPLO

Vejo, pousada num espelho vertical, uma mosca preocupada na sua higiene.
Está mesmo por baixo de um móbil, que também se encontra reflectido no espelho.
Por um efeito curioso, abstraindo da realidade e focando unicamente a imagem especular, dir-se-ia que a mosca suporta aquele estranho objecto.
É mais fácil optar pela convicção de que se trata de uma ilusão de óptica.
A outra possibilidade seria admitir que, do outro lado do espelho, as moscas têm uma força assustadora. (E, carregando uma coisa daquelas, alguma invasão andam a preparar...)

aforismos kaosticos

Por alguma razão - ou então não, talvez seja um facto sem qualquer razão -, a maioria dos amigos coloridos que conheço são amigos cinzentos.

Mais do que «amigos coloridos», o que fazia mesmo falta ao país não era um presidente colorido, um primeiro-ministro colorido e uma oposição colorida?

Uma crise colorida? Um país colorido?

quarta-feira, novembro 24, 2010

TRANSFERÊNCIAS

É arrepiante pensar que, quando procedo a uma transferência bancária, durante um certo lapso de tempo, aquele dinheiro, que já não está na minha conta, mas ainda não chegou à conta destinatária, tem uma existência meramente virtual. E que significa isso? Está no espaço? Nas ondas do éter?

E não é verdade que um gang de vírus poderia interceptá-lo?

segunda-feira, novembro 22, 2010

A TRISTE HISTÓRIA - ABSOLUTAMENTE VERÍDICA - DE UM ESCRITOR IMPUBLICADO

Em 2005, Virgílio Caeiro, não tendo conseguido suicidar-se, decidiu não largar mão de todas as possibilidades contidas na ideia do suicídio.
Resolveu, por isso, encenar a sua auto-morte. Pensou, por um lado, que poderia assim ver, de longe, quem é que, afinal, o amava e quem o não amava. Quem o choraria muito, o choraria pouco, o choraria assim assim. E quem não verteria uma única e solitária lágrima. Por outro lado, considerou que, na qualidade trágica de homem que pusera termo à vida - mesmo não tendo posto efectivamente termo à vida -, conseguiria publicar finalmente a sua obra. Ele, que sempre fora desprezado pelas editoras. Que fora cuspido pela sra. dona Zita Seabra, quando lhe quis apresentar o seu manuscrito. Empurrado pelo chefe da Teorema, aquele de óculos e bigode, quando tentou propor-lhe o seu original. Ora bem: depois de morto, sob a aura de um suicídio, atrairia como moscas todos os publicadores. Talvez até espanhóis. E holandeses.
Encenou, portanto, o dito suicídio.

Mas como se faz isso? Tentou experiências, ensaios, desenhos; contratou actores.
Mas.
Enganou-se na faca. Tinha de realizar a performance diante de uma máquina que filmava tudo: ia ser lindo! um hara-kiri, esteticamente perfeito! Só que em vez de usar a faca falsa, utilizou uma, de cozinha, com o imperdoável defeito de ser autêntica.

Aflito, desesperado, experimentando levantar-se e urrar por socorro, amparou-se à mesa de trabalho, derrubou-a, e deixou cair na lareira todos os seus manuscritos - os quais reunira sobre a secretária, para que os descobrissem quando dessem com o seu corpo (que, obviamente, no seu projecto inicial, não deveria ser realmente o seu corpo, mas um boneco que os actores contratados, mascarados de bombeiros, rapidamente fariam desaparecer...). E os textos que cairam na lareira acabaram por arder. Deram, de resto, um bonito lume, não se pode dizer o contrário.

Quando os «bombeiros» chegaram, como combinado, ficaram um pouco surpreendidos. Em vez de um corpo de boneco, encontraram um corpo de boneco e um cadáver real.
Em vez de manuscritos que deveriam salvar e enviar às editoras, acompanhadas de uma folhinha com as últimas palavras do morto, encontraram cinzas. E um belo fogo, isso, realmente, não se pode negar.
Foram-se embora, cabisbaixos. Ninguém lhes pagou.

Em suma, um suicídio nem sempre tem os resultados esperados. Às vezes, um gajo morre mesmo.

aforismos

Escrever e, em Portugal, não ter recebido um prémio qualquer, tem de significar qualquer coisa. Possivelmente, que se é muito mau. Provavelmente, que se é demasiado bom.

Não quero com isto dizer que seja o meu caso. Embora, por mera coincidência, seja o meu caso.

E não que isso me preocupe necessariamente.
Preocupa-me desnecessariamente.

sexta-feira, novembro 19, 2010

OBAMA E CAVACO

Eis a Nato.
Podem tudo. Fecham estradas e fronteiras, brindam com tolerância de ponto a capital de um país em crise.

Vejo, na TV, dois presidentes: Cavaco discursa, Obama ouve-o, com um sorriso suspeito, pela tradução de uns minúsculos fones nos seus ouvidos. Vejo estes dois homens e não posso deixar de me sentir envergonhado pelo país que temos para apresentar e, sobretudo, pelo Presidente que temos para apresentar.
Podia ser pior. Imaginem que estávamos a viver em monarquia. Imaginem que o símbolo humano da pátria era... o rei Dom Duarte!

Mas não me consola. Duvido que Obama esteja a ouvir Cavaco, seria demasiado deprimente. Penso que aquilo é um i-pod; penso que, enquanto o esqueleto vomita banalidades, que eu seria capaz de reproduzir por adivinhação, sem ter ouvido o seu discurso, o Presidente dos EUA se entretém escutando música nas suas orelhas.