Passeava o cão num descampado, diante da sua vivenda e do Volvo estacionado à porta, quando, subitamente, estacou.
Bart, surpreendido, aquietou-se também, sentado sobre as patas traseiras: aproveitou para coçar uma pulga teimosa.
Emanuel percebeu que já estivera em face daquela mesma imagem: uma vivenda branca (ainda ele, então garoto, não possuía vivenda alguma), um Volvo (da mesma cor que este: um automóvel que a criança de então não conhecia) e um cão pela trela.
Lembrou-se de onde e quando visitara aquela imagem. Ou esta o visitara a ele. Num sonho de infância. Havia uma divindade, um ser minúsculo, ou talvez um extra-terrestre, que lhe soprava ao ouvido:
«Esta é uma imagem do teu futuro. Queres ver mais? Ou aceitas o teu futuro tal como o vês?»
Emanuel tinha aceite. Nem pensou mais. Uma vivenda branca, que sentiu que era sua? De dois andares? Uma carrinha cor de café com leite, sob o mesmo sentimento de posse? Um cão, com o qual passeava por um descampado? Aceitou, assinou um papel e acordou - de um sonho que, entretanto, esqueceu por completo.
Recordou-o na íntegra. Poderia afinal não ter sido um sonho?
Poderia ter havido mesmo um pequeno deus, que o fizera assinar um compromisso de aceitação?
Apeteceu-lhe gritar. Nunca sabemos nada. Enganamo-nos sempre. Como poderia ter compreendido a perfídia? Como saberia ele que entretanto sobreviria uma crise fatal, não teria dinheiro para pagar aquela casa, não conseguindo, porém, libertar-se dela - enorme, sempre suja, impossível de limpar, acumulando lixo nos dois andares - porque não aparecia ninguém capaz de a comprar?
Como podia ter percebido, em face da imagem que o ser lhe desvendava, que aquele automóvel fora uma pechincha quando o seu irmão trabalhara na Volvo, mas, entretanto, se tornara um sorvedouro, que lhe levava, todos os meses, uma percentagem doida do seu ordenado já deformado por cortes e carências? Como havia de perceber que o gasóleo custaria tamanhos preços? E que também do Volvo não havia maneira de se libertar, a não ser vendendo-o por menos do que o que ainda teria de pagar por ele?
Olhou para o cão. Podia ter adivinhado que Bart não seria, realmente, o seu cão? Que era o bicho do vizinho careca, que ele se comprometera a passear todas as manhãs, às seis da manhã, a troco de uns tostões para o pequeno-almoço?
Olhou para o céu (como poderia ter olhado para o chão ou para outro lugar qualquer, ignorando em absoluto qual a proveniência ou a habitação da criatura) e gritou:
«Mentiste-me!»
Ouviu a resposta. De onde? De quem?
Ah, era a velha à janela:
«Pouco barulho!»
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