quinta-feira, maio 09, 2013
equívocos
Tenho alergias e manias.
Quando toco em torneiras, maçanetas, botões de elevador, envergo as minhas luvas de latex.
Sou, por outro lado, um incompreendido: no elevador, sozinho com a minha vizinha, não sei por que teria ela ficado tão assustada quando me viu calçar as luvas para premir o botão do 8º [o meu andar].
Nem porque soltou aquele grito, quando as portas fecharam...
segunda-feira, maio 06, 2013
AINDA HOJE NÃO SEI BEM QUEM ERA O QUÊ
Quando íamos na ambulância, o doutor disse-nos.
«A senhora acaba de me telefonar.»
«A senhora?», perguntou o Ismael. «Mas então a senhora não é precisamente a maluquinha que vamos buscar?»
O doutor olhou-o severamente por sobre os óculos.
«Ismael. Em primeiro lugar, nós não usamos essa linguagem. Não dizemos "maluquinho". Certo? Falamos de "condição", ou de "perturbação". Em segundo lugar, pensávamos que íamos buscar uma maluquinha... perdão, uma mulher com certa condição mental; mas afinal a mulher telefonou-nos. Esclareceu que o marido é que é pírulas... ai, quero dizer, está perturbado... mas que temos de fingir que a pessoa perturbada é ela. Percebem? Explicou-me tudo muito bem. Se não for assim, o homem fica absolutamente intratável. Portanto, já sabem. O gajo é doido, mas fingimos que a doida é ela. Falamos muito bem com o senhor, deixamos que ele diga o que lhe aprouver sobre a condição da mulher, regressamos todos como se fosse para a internar a ela... e quando estivermos no hospital, o tipo fica e a senhora volta para casa...»
«História confusa, não?», ainda considerou o Ismael.
Chegámos. Fomos recebidos pela mulher, absolutamente impecável. O homem juntou-se-nos imediatamente. Falava-nos do estado da esposa, que parecia «muito tranquila», e «por acaso» até tinha dormido bem «essa noite», mas estava a «atravessar um momento de grande instabilidade psicológica».
O Ismael, surpreendido, soprou-me: «Quem o ouve, não o leva preso. Como estes doidos enganam, ein?»
No hospital, deu-se a quasi-tragédia.
Agarrámos no homem, perante a expressão condoída da mulher, e isolámo-lo. Gritava, entre as grades: «É um engano! Oiçam! A minha mulher é que é para ficar! Oiçam! Estão a cometer um erro terrível! Oiçam!»
«Acalme-se», respondia-lhe o doutor, de cá de fora.
A mulher chorou. Levámo-la a casa.
Só se deu pelo erro dois dias depois.
A pessoa que sofria de «uma condição» era, de facto, a mulher. Matara entretanto o vizinho.
«A senhora acaba de me telefonar.»
«A senhora?», perguntou o Ismael. «Mas então a senhora não é precisamente a maluquinha que vamos buscar?»
O doutor olhou-o severamente por sobre os óculos.
«Ismael. Em primeiro lugar, nós não usamos essa linguagem. Não dizemos "maluquinho". Certo? Falamos de "condição", ou de "perturbação". Em segundo lugar, pensávamos que íamos buscar uma maluquinha... perdão, uma mulher com certa condição mental; mas afinal a mulher telefonou-nos. Esclareceu que o marido é que é pírulas... ai, quero dizer, está perturbado... mas que temos de fingir que a pessoa perturbada é ela. Percebem? Explicou-me tudo muito bem. Se não for assim, o homem fica absolutamente intratável. Portanto, já sabem. O gajo é doido, mas fingimos que a doida é ela. Falamos muito bem com o senhor, deixamos que ele diga o que lhe aprouver sobre a condição da mulher, regressamos todos como se fosse para a internar a ela... e quando estivermos no hospital, o tipo fica e a senhora volta para casa...»
«História confusa, não?», ainda considerou o Ismael.
Chegámos. Fomos recebidos pela mulher, absolutamente impecável. O homem juntou-se-nos imediatamente. Falava-nos do estado da esposa, que parecia «muito tranquila», e «por acaso» até tinha dormido bem «essa noite», mas estava a «atravessar um momento de grande instabilidade psicológica».
O Ismael, surpreendido, soprou-me: «Quem o ouve, não o leva preso. Como estes doidos enganam, ein?»
No hospital, deu-se a quasi-tragédia.
Agarrámos no homem, perante a expressão condoída da mulher, e isolámo-lo. Gritava, entre as grades: «É um engano! Oiçam! A minha mulher é que é para ficar! Oiçam! Estão a cometer um erro terrível! Oiçam!»
«Acalme-se», respondia-lhe o doutor, de cá de fora.
A mulher chorou. Levámo-la a casa.
Só se deu pelo erro dois dias depois.
A pessoa que sofria de «uma condição» era, de facto, a mulher. Matara entretanto o vizinho.
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a crise leva-nos a inventar estórias destas
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