Não deixa de me espantar que a Ministra de Educação insista tão firmemente em braços-de-ferro em relação a medidas que, ainda que fossem acertadas, nunca iriam longe deste modo, sem a compreensão e a aceitação por parte dos seus alvos.
Sucede que, para mais, a maioria das medidas é errada. O problema não é só o de os professores não gostarem delas, ou se sentirem agredidos por elas - o que não seria um pormenor despiciendo -, mas de estarmos ante graves perversões pedagógicas.
Estou a pensar, concretamente, nas «aulas de substituição» (que afinal, não o são necessariamente mas, apenas, «actividades de acompanhamento»).
A ideia de que os alunos não podem estar fora de uma sala de aula quando falta um professor, que devem ter uma «actividade» qualquer, em que serão «acompanhados» por um outro professor, não satisfaz ninguém. Não satisfaz os alunos, que não aceitam o docente-substituto de bom-grado, nem percebem a lógica dessa substituição e, portanto, o hostilizam. Não satisfaz o professor chamado a passar noventa minutos com uma turma que não conhece, num território que não é o seu, num encontro que só pode ser episódico, que dificilmente terá qualquer tipo de continuidade...
Satisfará os pais dos alunos? Algum pai irá suspirar de alívio por saber que o seu filho fica guardado, leia-se, enjaulado e convenientemente vigiado durante a ausência do professor que faltou? Talvez, talvez. Sabe-se lá.
Mas se eu quiser retornar à minha adolescência e à minha juventude, poderei lembrar que as «borlas», isto é, não haver aulas por falta de um professor, preenchiam uma indispensável função de socialização: correspondiam ao momento privilegiado em que os alunos se juntavam para explorar a escola ou o espaço próximo, jogando à bola, uns, reunindo-se num café, outros, conversando, conhecendo-se, interagindo de um modo mais completo, que os dez ou quinze minutos dos intervalos não permitiam. Havia uma liberdade essencial, tão importante para a nossa formação como os curricula das disciplinas.
Conheço as objecções: os professores faltam muito; deixar os alunos à solta durante demasiado tempo pode ser pernicioso e, sobretudo, não parece «rendível»: seria deixá--los brincar durante um tempo em que deveriam estar aprendendo. (Seria habituá-los a tirar partido do desleixo, em vez de o corrigirem).
Sejamos sérios: esta última objecção é a mais absurda de todas. A mais ridícula. Numa aula de substituição, ou numa actividade de acompanhamento, ou como lhe queiram chamar, não se trata de aprendizagem: trata-se de manter meninos ocupados - ou, quanto mais não seja, fechados. Não se trata de rigor, nem de promover a disciplina e o gosto pelo trabalho - mas de fomentar o azedume, a frustração, o mal-estar. Não se trata de prevenir os perigos da liberdade - mas de gerar os perigos da falta da liberdade, da atrofia, típicos da escola vista como uma grande fábrica. Entra-se por aqui, sai-se por ali. Não há tempos mortos. Existem sempre uma porca ou um parafuso sendo apertados. Tudo rende, tudo rende, tudo rende. Não há «borlas». Não se respira. A ida à casa de banho é cronometrada.
sábado, outubro 28, 2006
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