sábado, junho 30, 2007

O ESPECTÁCULO MAIS CARO E MAIS BREVE DO MUNDO

A Brigada de Trânsito multou-me. Ou, como eles dizem, autuou-me.
Tinham razão, e eu não: falava despudoradamente ao telemóvel enquanto conduzia, marginal afora. Dei por eles no momento em que me ultrapassaram, vagarosos, como se, de repente, tudo tivesse principiado a mover-se em câmara lenta; tudo, com excepção do meu coração, que disparou a uma velocidade que teria certamente merecido, também, ser «autuada».
Durante algum tempo, não fizeram nada: mantiveram-se à minha frente, rolando com serenidade. Nem gestos, nem sirenes, nem gritos por megafone. Cheguei a pensar, numa ingenuidade digna de uma terceira multa, que talvez não tivessem reparado no pormenor do telemóvel que, entretanto, desligara, e que chamava agora por mim, assinalando o desespero da pessoa a quem eu interrompera a conversa sem pré-aviso. Pensei em ultrapassá-los, por minha vez. Não o fiz. Mantive-me atento, tenso, atrás deles, pisando ovos...
Até que, ao aproximarmo-nos de uma saída, a mão peluda de um dos dois agentes indicou pela janela da viatura, com firmeza, que me queriam atrás deles por aquele desvio.
Saímos. Pararam, parei. Um jovem de óculos escuros e boné periclitante sobre a cabeça dirigiu-se-me. Eu balbuciava desculpas, explicava mentirosamente que não tinha esse hábito, que fora uma emergência, mas o homem limitava-se a insistir pelos meus documentos.

A única parte interessante de toda aquela sessão foi, do meu ponto de vista, constituída pelo momento em que uma rabanada de vento fez voar da cabeça do jovem agente o seu boné, fazendo-me compreender a dureza da sua missão: não é fácil perseguir bandidos com uma mão tendo de pressionar constantemente a tampa de um boné que não encaixa com perfeição na cabeça. Infelizmente, devo confessar que esse momento de humor e relaxamento foi demasiado breve para tamanho preço. Custou-me cento e vinte euros. Suponho que numa revista do Parque Mayer também me poderia ter rido do típico polícia à portuguesa por menos dinheiro...

Se eu fosse uma criança, ou um anarquista, ou um tipo sem moral, incapaz de respeito pela Lei, ter-me-ia dado ao trabalho de congeminar um plano para futuras situações. Por exemplo, passar a andar sempre com dois telemóveis no carro: um normal, o outro completamente avariado.
Mandado parar por falar ao telemóvel durante a condução, esconderia imediatamente o bom; apresentaria, ao agente, o estragado, dizendo-lhe:
- Mas eu não estava a falar ao telemóvel, senhor guarda. Já viu o estado dele? Como é que eu podia falar nisto? Encostara-o simplesmente ao ouvido para tentar perceber se teria arranjo. E não tem, não tem, já viu isto? Foi o meu filho e blá-blá-blá...

Se eu não passasse de um adolescente, claro, desses com aparelho nos dentes e que sangram do nariz por tudo e por nada. Ou de um anarquista. Ou de um Fora-da-lei. Ou se não fosse um professor a trabalhar pelo honroso posto de titular...!

3 comentários:

Sara Rainbow Soul disse...

1º- Há umas coisinhas pequeninas chamadas de auriculares, não sei se conheces? Nem parece teu, a falar ao telemóvel e a conduzir, estou de facto estupefacta!

2º- Continuo ainda mais estupefacta...estás a quê...titular. Ao que uma pessoa chega, cada vez mais enrodilhado na malha da função pública, a vida é triste, se até assim com lugar no quadro se têm de... ou fazer com que ...e o mais importante que é aturar putos ranhosos e tentar abrir o cérebro para que alguma coisa entre lá dentro fique inevitavelmente para milésimo plano!
Este ano, já não concorri!

Gil Duarte disse...

Mas, mas, mas... não posso crer, cara amiga, tu interpretaste o meu texto à letra. Estupefacto fico eu. Como te devo ter parecido parvalhão...! Se tiveres paciência, relê o texto do ponto de vista da ironia, assumindo que, realmente, o que menos me interessa nesta vida é a porcaria da titularidade, que, aliás, é possível que não seja para mim...

Sara Rainbow Soul disse...

Nãaaaaaaaaaaao!!!!

Como, logo tu? Estou ainda mais estupefacta...
Não queres a titularidade???
Pensado bem a do parvalhão, até te cai bem não tinha pensado nisso...

Ó Gil, até parece que não sei que te estás a #*%*# (não é nenhuma asneira, mas não ficam bem aqui certas expressões)para a titularidade;)

A culpa já se sabe é do sistema, ah pois... e da ministra, pois essa também, e do Sr do talho, e...do governo, esse é que é o mal!