A Brigada de Trânsito multou-me. Ou, como eles dizem, autuou-me.
Tinham razão, e eu não: falava despudoradamente ao telemóvel enquanto conduzia, marginal afora. Dei por eles no momento em que me ultrapassaram, vagarosos, como se, de repente, tudo tivesse principiado a mover-se em câmara lenta; tudo, com excepção do meu coração, que disparou a uma velocidade que teria certamente merecido, também, ser «autuada».
Durante algum tempo, não fizeram nada: mantiveram-se à minha frente, rolando com serenidade. Nem gestos, nem sirenes, nem gritos por megafone. Cheguei a pensar, numa ingenuidade digna de uma terceira multa, que talvez não tivessem reparado no pormenor do telemóvel que, entretanto, desligara, e que chamava agora por mim, assinalando o desespero da pessoa a quem eu interrompera a conversa sem pré-aviso. Pensei em ultrapassá-los, por minha vez. Não o fiz. Mantive-me atento, tenso, atrás deles, pisando ovos...
Até que, ao aproximarmo-nos de uma saída, a mão peluda de um dos dois agentes indicou pela janela da viatura, com firmeza, que me queriam atrás deles por aquele desvio.
Saímos. Pararam, parei. Um jovem de óculos escuros e boné periclitante sobre a cabeça dirigiu-se-me. Eu balbuciava desculpas, explicava mentirosamente que não tinha esse hábito, que fora uma emergência, mas o homem limitava-se a insistir pelos meus documentos.
A única parte interessante de toda aquela sessão foi, do meu ponto de vista, constituída pelo momento em que uma rabanada de vento fez voar da cabeça do jovem agente o seu boné, fazendo-me compreender a dureza da sua missão: não é fácil perseguir bandidos com uma mão tendo de pressionar constantemente a tampa de um boné que não encaixa com perfeição na cabeça. Infelizmente, devo confessar que esse momento de humor e relaxamento foi demasiado breve para tamanho preço. Custou-me cento e vinte euros. Suponho que numa revista do Parque Mayer também me poderia ter rido do típico polícia à portuguesa por menos dinheiro...
Se eu fosse uma criança, ou um anarquista, ou um tipo sem moral, incapaz de respeito pela Lei, ter-me-ia dado ao trabalho de congeminar um plano para futuras situações. Por exemplo, passar a andar sempre com dois telemóveis no carro: um normal, o outro completamente avariado.
Mandado parar por falar ao telemóvel durante a condução, esconderia imediatamente o bom; apresentaria, ao agente, o estragado, dizendo-lhe:
- Mas eu não estava a falar ao telemóvel, senhor guarda. Já viu o estado dele? Como é que eu podia falar nisto? Encostara-o simplesmente ao ouvido para tentar perceber se teria arranjo. E não tem, não tem, já viu isto? Foi o meu filho e blá-blá-blá...
Se eu não passasse de um adolescente, claro, desses com aparelho nos dentes e que sangram do nariz por tudo e por nada. Ou de um anarquista. Ou de um Fora-da-lei. Ou se não fosse um professor a trabalhar pelo honroso posto de titular...!
sábado, junho 30, 2007
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
1º- Há umas coisinhas pequeninas chamadas de auriculares, não sei se conheces? Nem parece teu, a falar ao telemóvel e a conduzir, estou de facto estupefacta!
2º- Continuo ainda mais estupefacta...estás a quê...titular. Ao que uma pessoa chega, cada vez mais enrodilhado na malha da função pública, a vida é triste, se até assim com lugar no quadro se têm de... ou fazer com que ...e o mais importante que é aturar putos ranhosos e tentar abrir o cérebro para que alguma coisa entre lá dentro fique inevitavelmente para milésimo plano!
Este ano, já não concorri!
Mas, mas, mas... não posso crer, cara amiga, tu interpretaste o meu texto à letra. Estupefacto fico eu. Como te devo ter parecido parvalhão...! Se tiveres paciência, relê o texto do ponto de vista da ironia, assumindo que, realmente, o que menos me interessa nesta vida é a porcaria da titularidade, que, aliás, é possível que não seja para mim...
Nãaaaaaaaaaaao!!!!
Como, logo tu? Estou ainda mais estupefacta...
Não queres a titularidade???
Pensado bem a do parvalhão, até te cai bem não tinha pensado nisso...
Ó Gil, até parece que não sei que te estás a #*%*# (não é nenhuma asneira, mas não ficam bem aqui certas expressões)para a titularidade;)
A culpa já se sabe é do sistema, ah pois... e da ministra, pois essa também, e do Sr do talho, e...do governo, esse é que é o mal!
Enviar um comentário