Pois para festejarmos o modo como este governo clamorosamente agora caiu, e os ministros...
Peço perdão, houve uma troca de rascunhos, pelo que iniciei o presente «post» com uma frase que tenho ciosamente guardada para o devido momento.
Reiniciemos, pois:
Com a sua voz grave e tensa, de quem tem um dramático e permanente segredo para nos revelar, que parece queimar-lhe a garganta, Francisco Louçã confidenciou-nos: «Este governo não gosta das pessoas.»
Francisco Louçã perdeu, nos últimos anos, muito do interesse que me suscitara, mas, por uma vez, acertou no alvo de uma forma que chega a doer.
Em todas as decisões que têm chocado, e sobretudo em zonas tão delicadas como a Educação ou a Saúde, o governo tem revelado uma insensibilidade que nenhum discurso ministerial consegue esconder. Norteia-o a ideia de que há que fazer progredir o país segundo os critérios da Comunidade Europeia, no que toca a números visíveis, mas à custa das pessoas, das famílias, num total desrespeito pelo sofrimento concreto.
Pode o primeiro-ministro confessar-se chocado com as situações, sistematicamente vindas a lume, de recusa de aposentação a professores obrigados, desculpem-me a crueza das palavras, a morrer nas escolas; o certo é que, para que estes factos tenham sido possíveis, e durante tanto tempo - e com conhecimento da ministra da Educação, como a própria afirmou -, não só é necessário que esta espécie de anestesia dos sentimentos tenha crescido e estendido os seus efeitos um pouco por todos os departamentos sob responsabilidade do governo, como, à sua luz, se torna bruscamente compreensível que o governo tenha considerado uma medida aceitável travar e estancar todas as mudanças de escalão dos funcionários públicos e dos professores por um período prolongado, que um senhor seja posto na berlinda pelo uso da sua opinião, com palavras excessivas ou não...
Tudo, as mais dispersas e inesperadas medidas encontram, se não mais, este pequeno mas duro ponto comum, este mínimo mas forte fio condutor.
Irão, certamente, objectar-me que há demasiada subjectividade na minha análise, que algo como a «insensibilidade» não constitui uma categoria política; como é evidente, discordo completamente da objecção: por insensibilidade, entenda-se, não se discute se o primeiro-ministro ou qualquer um dos seus ministros são capazes de se comover em funerais, ou lacrimejar diante de um filme triste; não se discute até que ponto, como pessoa, o senhor José Sócrates, ao tomar conhecimento de alguns casos de professores obrigados a arrastar os respectivos cancros pelas escolas, não será capaz de sentir um aguilhão na consciência ou um aperto no coração. A insensibilidade de que vos falo é perfeitamente objectiva. E política. Tem que ver com um determinado espírito que condiciona as decisões, que determina as prioridades, que hierarquiza o que é importante e que, no momento das escolhas, concentra a atenção em certos aspectos ocultando à nossa atenção os outros - chamemos-lhes pormenores. Não tem conteúdo, não é, em si, um valor, muito menos um programa, mas algo que se aproximaria de uma atitude, sendo que o termo «atitude» é vago e, pessoalmente, lhe prefiro a expressão «forma»: trata-se, portanto, de uma forma de governação assumida pelo governo, multiplicada - e clonada -, por todos os ministros, secretários, sub-secretários, assessores, contínuos, porteiros, presente em todos os ministérios, copiada ao exemplo que vem de cima, natural e espontaneamente espalhada, forma à qual os amigos do governo chamariam «determinação», os inimigos «obstinação» e se apresenta, nos mais diversos casos, como pura «insensibilidade».
É claramente uma categoria política - situada naquele ponto invisível onde a política se cruza com a moral.
domingo, julho 29, 2007
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