Dona B. devia ao padeiro e devia na mercearia.
Não devia à sorte, não devia à natureza, que lhe fora madrasta, não devia à saúde (embora devesse na farmácia) e nada devia à bondade. É até aceitável que uma pessoa como Dona B. nada devesse à bondade: uma criatura minada por uma doença maligna, com uma corcunda que se desenvolvera tragicamente nos últimos anos, feia como os palavrões mais obscenos, que diabo!, teria alguma razão para ser bondosa?
Houve um período curto e brilhante de equívoco na vida, quando julgou que uma família de vizinhos seus (uma idosa e o filho mais os netos dela e sobrinhos dele) se interessava pela sua pessoa. Os meninos, por exemplo, procuravam-na para lhe oferecerem desenhos - que ela aceitava, comovida, dizendo «Ah, que lindo! Vou já pendurar na parede» e que retribuía com uma notita de cinco euros, sem perceber que os garotos não lhos ofertavam senão por causa dos cinco euros...
Mas, mais que os meninos, havia o senhor T., barbudo e bondoso, que a levava a passear, a pé, por tardes soalheiras, conversando muito com ela, perguntando-lhe pela saúde, conduzindo-a, depois de um cafezito, de regresso à porta.
Um dia, o idílico equívoco explodiu em fragmentos duros.
Dona B. já nem se lembrava bem do que sucedera. Seria porque uma vez não tinha à mão cinco euros para os garotos? Ou porque estes não lhe haviam feito um recado? Ou a avó dos miúdos, Madame Márcia, afiançara, ofensivamente, que era mais doente do que a própria Dona B? Alguém da família lhe recusara uma das prendas com que, no fundo, Dona B. lhes comprava o interesse e o carinho...? Já nem sabia. O pior foi que, como numa corrente de peças do dominó a fazer tombar sucessivamente a seguinte, também o senhor T., filho adulto de Madame Márcia e tio dos garotos, que vivia com esta e com estes, começou a não ter tempo, ou a não ter paciência para as conversas e para os passeios com Dona B.
O que Dona B. não lhe perdoou: e, portanto, começou a dizer mal da família vizinha em geral mas, principalmente, do senhor T.
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