domingo, janeiro 24, 2010

ENVELHECER É LIXADO

Ontem, na televisão, podíamos ver o espectáculo em que se reuniam os meus ídolos de juventude, Sérgio Godinho, José Mário Branco e Fausto.

E, caramba, tanto brilho que trouxeram ao palco. Infelizmente, julgo que era o brilho das dentaduras postiças...

sábado, janeiro 23, 2010

EPITÁFIO











Se, à data da minha morte, não tiver conseguido publicar a ponta de um corno (o que é bem provável, atendendo aos meus cinquenta e dois anos e ao facto de que as editoras já fogem de mim), agradecia que se esculpisse no meu túmulo este melancólico epitáfio:

Aqui jaz aquele que foi um verdadeiro virtuose do blogue. Lol.

sábado, janeiro 16, 2010

E QUE FAZER QUANDO A REGRA ESTÁ ERRADA?

O maior disparate - e, se não for o maior, está num top ten - é, na minha opinião, existir quem pense que as pessoas que lêem, em fotocópia, um livro (aquelas que lêem um parágrafo que seja); ou as que «sacam» uma música na net; ou os que vêem um filme de que fizeram download, bom, estariam todos, de certa a forma, a roubar alguém.

O primeiro pressuposto absurdo desta ideia é o de que, se não lessem a fotocópia, iriam antes comprar o livro; se não sacassem a música, comprariam o cd; se não obtivessem netianamente o filme, iriam vê-lo ao cinema ou adquiriam o dvd.

Que ignorância! Os verdadeiros leitores, os que foram educados para a leitura e a apreciam, não se contentam com fotocópias. Querem possuir o livro. Os verdadeiros melómanos e os cinéfilos exigentes nunca se contentariam com reproduções manhosas. Esses são os compradores que nunca deixarão de o ser. Portanto, os «fotocopiadores» e os «sacadores» podem ser vistos, quando muito, como possíveis futuros consumidores; na melhor das hipóteses, como apreciadores em formação: e poderão, através, quem sabe, de um texto copiado, de um som ou uma imagem ilicitamente conseguidos, vir a descobrir um autor!, uma obra!, que mais tarde procurarão. E que, por fim, talvez venham a comprar.

Se na escola eu não recorresse a fotocópias, Deus do céu, não teria a menor oportunidade de atingir os meus alunos, de lhes fazer revelações, de lhes propor o que fosse, de os interessar. Aqui entre nós: se não víssemos em conjunto os filmes que lhes levo (e que têm início após uma legenda advertindo contra os criminosos que os exibem em «espaços públicos»), nunca lhes falaria convictamente de cinema. Aqueles miúdos, que não sabem ver nem amar um filme (a não ser com pipocas e partilhando a sua atenção à tela com uma atenção simultânea às mensagens do telemóvel...) nunca teriam do cinema uma outra visão.

E, claro, compreendo que esta infracção, que pratico continuamente, pareça aberrante do ponto de vista das editoras ou das distribuidoras. É o ponto de vista de quem não tem ponto de vista. Só uma obsessão com o que lhes soa à perda imediata de algum dinheiro. A educação-para, a formação, a construção de pessoas sensíveis, um público sólido para o futuro, não são conceitos que entrem nas suas preocupações.

Que os autores - os criadores, aliás despudorada e miseravelmente enganados pelas editoras, produtoras, distribuidoras - entrem nesse coro estúpido; que não entendam que o mais importante é, para já, que lhes acedam, os leiam, os oiçam, os vejam, seja lá em que meio for...
Que os autores - os criadores - não percebam que os instrumentos, actualmente ilícitos, da sua divulgação, são os instrumentos precisos e preciosos para a formação de quem venha a amá-los e comprá-los, isso, isso é mais e é pior do que um crime: é um erro.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

O DUELO

Hans e Karl olham-se perigosamente.

Não se conhecem. Em rigor, nada têm um contra o outro. Noutro lugar, noutras circunstâncias, num tempo diferente, quem sabe?, talvez pudessem ter sido amigos.

Não podem dar-se ao luxo de sondar e perceber que afinidades os ligam. Imaginem que, se começassem a conversar, descobriam que, em miúdos, haviam sido vizinhos e jogado juntos à bola. «Não me digas! Então tu eras o Karl, o que ficava sempre à baliza porque não era capaz de chutar decentemente?». E o outro: «Não era assim tão mau! Aliás, se bem me lembro, tu é que eras o Hans, que só jogava por ser o dono da bola...» - e sob estas palavras de aparente inimizade, dariam palmadas amigáveis no ombro um do outro, desabariam gargalhadas, iriam tomar uma cerveja, algures, recordando e rindo. Quem sabe, quem sabe?

Mas não hoje. Não aqui. Não agora.

Medem-se. Nenhum quer dar o primeiro passo. Nenhum dos dois se quer expor.

Lá fora, a chuva inclemente faz-se ouvir.

Não podem ficar ali eternamente. Algum terá de ser o primeiro a ousar.

É Karl.

Corre.

Hans principia também a mover-se.

Karl é mais lesto:
Pega no solitário guarda-chuva que se encontra no bengaleiro, e não pertence, obviamente, a nenhum dos dois - mas a um desgraçado que ainda não sabe, nesta altura, que ficará sem o seu guarda-chuva -, corre para a porta. Abre-o. Mete-se à chuva.

«Merda!», indigna-se Hans. «Vou apanhar uma molha valente».