sábado, janeiro 16, 2010

E QUE FAZER QUANDO A REGRA ESTÁ ERRADA?

O maior disparate - e, se não for o maior, está num top ten - é, na minha opinião, existir quem pense que as pessoas que lêem, em fotocópia, um livro (aquelas que lêem um parágrafo que seja); ou as que «sacam» uma música na net; ou os que vêem um filme de que fizeram download, bom, estariam todos, de certa a forma, a roubar alguém.

O primeiro pressuposto absurdo desta ideia é o de que, se não lessem a fotocópia, iriam antes comprar o livro; se não sacassem a música, comprariam o cd; se não obtivessem netianamente o filme, iriam vê-lo ao cinema ou adquiriam o dvd.

Que ignorância! Os verdadeiros leitores, os que foram educados para a leitura e a apreciam, não se contentam com fotocópias. Querem possuir o livro. Os verdadeiros melómanos e os cinéfilos exigentes nunca se contentariam com reproduções manhosas. Esses são os compradores que nunca deixarão de o ser. Portanto, os «fotocopiadores» e os «sacadores» podem ser vistos, quando muito, como possíveis futuros consumidores; na melhor das hipóteses, como apreciadores em formação: e poderão, através, quem sabe, de um texto copiado, de um som ou uma imagem ilicitamente conseguidos, vir a descobrir um autor!, uma obra!, que mais tarde procurarão. E que, por fim, talvez venham a comprar.

Se na escola eu não recorresse a fotocópias, Deus do céu, não teria a menor oportunidade de atingir os meus alunos, de lhes fazer revelações, de lhes propor o que fosse, de os interessar. Aqui entre nós: se não víssemos em conjunto os filmes que lhes levo (e que têm início após uma legenda advertindo contra os criminosos que os exibem em «espaços públicos»), nunca lhes falaria convictamente de cinema. Aqueles miúdos, que não sabem ver nem amar um filme (a não ser com pipocas e partilhando a sua atenção à tela com uma atenção simultânea às mensagens do telemóvel...) nunca teriam do cinema uma outra visão.

E, claro, compreendo que esta infracção, que pratico continuamente, pareça aberrante do ponto de vista das editoras ou das distribuidoras. É o ponto de vista de quem não tem ponto de vista. Só uma obsessão com o que lhes soa à perda imediata de algum dinheiro. A educação-para, a formação, a construção de pessoas sensíveis, um público sólido para o futuro, não são conceitos que entrem nas suas preocupações.

Que os autores - os criadores, aliás despudorada e miseravelmente enganados pelas editoras, produtoras, distribuidoras - entrem nesse coro estúpido; que não entendam que o mais importante é, para já, que lhes acedam, os leiam, os oiçam, os vejam, seja lá em que meio for...
Que os autores - os criadores - não percebam que os instrumentos, actualmente ilícitos, da sua divulgação, são os instrumentos precisos e preciosos para a formação de quem venha a amá-los e comprá-los, isso, isso é mais e é pior do que um crime: é um erro.

1 comentário:

zorbas disse...

Nunca tinha pensado nesta questão sob este ponto de vista, mas parece-me fazer todo o sentido enquanto leitor, cinéfilo e amante de música. Bem sacado!