sábado, fevereiro 27, 2010

NA PERIFERIA DO MEU OLHO MAIS MÍOPE

Deito, distraidamente, o meu olho mais míope à televisão.

Reparo que, em Portugal no Coração, está sendo entrevistado aquele comediante jovem, de barba, sempre com uma boina na cabeça. Tem essa singular característica que faz da comédia portuguesa qualquer coisa que os estrangeiros nunca conseguirão imitar: não tem a mínima graça.

Mas não é o único a ser entrevistado. Vejo, por exemplo, uma rapariga, líder de um grupo musical que terá ganho qualquer prémio ou distinção.
Oiço-a - se não com os ouvidos, com o mesmo olho míope.
Diz ela:

«Queremos explorar a música tradicional, mas numa abordagem
contemporânea».

Oh meu Deus! Por onde se sai daqui?!

CREDIBILIDADES

Só posso dizê-lo assim mesmo, generalizadora e ofensivamente.

Trata-se de uma opinião. (Embora as minhas opiniões sejam correctas).

Perderam a última réstia de credibilidade,

os políticos, os jornalistas, os juízes e os meteorologistas.

Boa noite. Vou dormir hoje serenamente, como há muito tempo não acontecia, porque anunciaram grandes ventos e tempestades tremendas!

domingo, fevereiro 21, 2010

PARA CINISMO, CINISMO E MEIO

A propósito da catástrofe na Madeira, eis Sua Excelência, o senhor Presidente da República, no seu melhor:

«E àqueles que perderam os seus bens e os seus haveres, quero aqui deixar uma palavra de esperança».

Que significa exactamente isso? E que palavra é concretamente essa, que ele deixa aos madeirenses aflitos? Aqueles que «perderam os seus bens e haveres», que raio poderão fazer com uma palavra que lhes fica, para substituir os «bens e os haveres» perdidos?

E já que estamos em matéria de cinismo, perdoem-me os madeirenses que lhes fale, num tom que chegará a parecer demasiado ligeiro, sobre o significado político deste desastre. Para quem já tenha tido tempo de perceber como funciona o maquiavelismo do Primeiro-ministro, senhor José Sócrates, isto foi o melhor que lhe aconteceu. Acusar-me-ão de estar a mover um injusto e miserável processo de intenções, mas pensem melhor: para quem tinha tantos problemas acumulados com o senhor Jardim, poder bruscamente surgir como o Salvador das ilhas, que acorre de imediato, pronto a estender a mão a quem ainda há pouco dele dizia tanto mal, é um maná caído do céu. (Há que não esquecer que Marquês de Pombal, para além de matar nobres e expulsar jesuítas, fez toda a grandeza da sua carreira em torno de uma fantástica tragédia!)

A mão estendida serve para segurar os que caem. Ora uma mão que se estende para segurar não pode ir cheia - deve até, de preferência, estar vazia. Se vejo alguém quase a tombar no precipício e o quero agarrar, não posso ter chaves na mão, nem cartões de crédito, nem carteira.

Assim, a mão que o Continente estende vai, pelo que me parece, pouco cheia. Sobretudo, a avaliar pela resposta do Primeiro-ministro a uma jornalista madeirense, que lhe perguntara se já havia verbas disponíveis:

«Não é altura para estarmos com perguntas mesquinhas!»

Verbas?! Que mesquinhez, de facto! Então o senhor Presidente não lhes tinha deixado já uma palavra?! Queriam mais??? Ingratos!

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

PAIXÕES


No carro, minha filha contava-me já não sei que história, e disse-me:
«Então, paixonaram-se um pro outro.».
Intrigado por esta precocidade aos quatro anos, perguntei:
«Ai sim? E o que é exactamente "paixonarem-se"?».
Resposta:
«É viverem felizes para sempre!»

Santa inocência. A vida ainda vai ter muito que te ensinar.

sábado, fevereiro 13, 2010

O PLANO



A avaliar pelas notícias bombásticas e maldosas que os jornais têm publicado acerca do seu pretenso projecto para dominar a imprensa, duas conclusões se me impõem:

Uma é que, obviamente, o seu plano não deu certo. Salta aos olhos: o homem não dominou a imprensa.

Outra, é que (obviamente, também), tinha, pelos vistos, boas razões para o tentar.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

o poço

a génese do ressentimento está na boca, na barriga e nos braços. depois, irá conspirar nos ombros, nas costas. alimento-o, raivosamente, como a uma fera num poço. nunca nos libertaremos um do outro: o monstro olha a essência do meu olhar que o olha. todo ele é ódio a tudo e a mim. na essência do meu olhar misturam-se terror, inspiração, uma competência cruel, suicida e vingativa. intensamente, o animal viaja o seu viajar sobre si mesmo, que o aprisiona mais. ninguém pode adivinhar esta aliança oculta nas minhas raízes. ninguém pressente a maléfica eternidade de uma memória que feriram. porque a sua viagem nunca cessa: nem mesmo após eu ter perdoado.

sábado, fevereiro 06, 2010

HIBRO

SUBTÍTULO ELUCIDATIVO: UMA HISTÓRIA QUE NÃO SERÁ APRECIADA POR NENHUMA DAS CRISTINAS. NEM POR QUEM QUER SE CHAME «CRISTINA». NEM, É CLARO, POR QUEM TENHA OUTRO NOME QUALQUER.

O resultado dos trabalhos dessa sinistra e frankensteiniana figura, que era o Comendador, consistia, em poucas palavras, na fusão de um cão e de um gato.

O híbrido, a quem o Comendador dera o nome de Hibro, tinha uma cabeça de gato listado e uma outra cabeça de buldogue.

Uma das Cristinas, gémeas de nome, mais propriamente a Cristina, adorava o gato e detestava o cão.

A outra, que era a outra Cristina, odiava o gato e adorava o cão.

Como as Cristinas intuíam que, de facto, não existiam ali propriamente um gato e um cão, mas uma entidade única, um gatocão ou um cãogato, e não queriam perturbar nem ofender nenhuma das metades, tinham todo o cuidado para não desrespeitar a cabeça de animal que lhes desagradava. E, portanto, ambas tratavam muito bem as duas cabeças, principiando até, quem sabe, a desenvolver um certo carinho por qualquer delas.

«O que temos», rejubilava o Comendador, «é que talvez a experiência não tenha sido em vão. Pode ser que conseguíssemos que a Cristina passe a gostar de cães, e a Cristina a gostar de gatos. Ou será ao contrário?»

«Tem toda a razão, Excelência», respondeu Humboldt.
Mas não prestemos a menor atenção à sua resposta. Todos sabemos como Humboldt era um mero bajulador