quinta-feira, abril 29, 2010

O NÃO-GALO

Uma manhã cedo, inesperadamente, subiu para o parapeito da janela do primeiro andar e pôs-se a imitar um galo.
As vizinhas acordavam, vinham aos quintais, olhavam-no, incrédulas.
Falavam umas com as outras.
«A fazer cocorococó à janela, coitado. Veja bem. Julga que é um galo. Enlouqueceu, está visto!»

Mas a questão, aqui, é que nunca, nem por um momento, ele pensou que fosse um galo.
Acreditava que era um pato que enlouquecera e se pusera a imitar um galo.
E portanto, pelo critério das vizinhas («Julga que é um galo, logo enlouqueceu»), ele, que nunca realmente julgou ser um galo (mas um pato que, na sua loucura, se tomava por um galo), definitivamente não estava louco.

A psiquiatria é uma grande coisa.

terça-feira, abril 27, 2010

AS REGRAS D@ ESTÓIC@

1. Propõe-te objectivos pequeninos e realizáveis. Nada de programas demasiado extensos, de antemão incumpríveis.

2. Encara cada meta mínima cumprida como uma vitória. Festeja em grande os pequenos passos.

3. Periodicamente, olha para trás: observa como a sucessão de minúsculas vitórias, de facto, a prazo mudou algo na tua vida e te fez transitar de nível.

4. Faz do pessimismo uma forma de optimismo: entende-o como o tempo de que careces para descarregar, limpar, purificar a alma. Grita, maldiz. Descrê. E vira a página.

5. Mas divide-te, durante o período de pessimismo. Sê observador de ti próprio. Vê-te ser pessimista como se assiste ao trabalho de um actor. Que o observador seja a tua parte fundamentalmente optimista.

6. Nunca percas de vista a ideia do "depois": se tens uma dor, não te concentres na dor - concentra-te obsessivamente na ideia de que, seja quando for, haverá um tempo pós-dor. Um "depois da dor".

7. Encara os momentos em que não podes fazer o que te apetecia, como momentos propícios para se fazer outras coisas que podes e não sabias, e de que te tinhas esquecido, ou para que nunca havia tempo.

8. Sê estóica: faz das dificuldades um teste em que desafies, apures e treines a tua força e a tua resistência. (A dor, natural e espontaneamente, melhora-te; mas nem sempre tens consciência disso: passa a tê-la. Percebe as tuas forças a crescer e a tua resistência a redobrar...).

sábado, abril 17, 2010

COMPLEXO DE REI DEPOSTO


Acordei hoje com a imagem de um pai que, habituando-se a reconhecer-se na figura de quem tudo ensinava ao filho, repreendendo-o e admoestando-o, sempre superior, imbuído de Passado e Tradição, um pouco indignado por que seu filho nunca estivesse propriamente à altura, um dia, bruscamente, descobre que o filho crescera, o superara, revelava talentos e forças que nunca tinha sido capaz de identificar, tornava-se melhor do que o próprio pai. E, ao invés da alegria, o que esse pai encontra em si é um sentimento de frustração, uma tristeza inexplicável, uma inveja indigna.

É assim que vejo as relações entre Portugal e o Brasil. Não me apraz dizê-lo, mas é desta forma que as vejo. Mantemos a arrogância e um desadequado complexo de superioridade. Falamos ainda dos brasileiros como sendo os gordos eufóricos ou as morenas que vemos, às vezes, passar por aí em havaianas ou fio dental. Os do Carnaval, os da telenovela, os da favela. Os que têm lata e lábia de mais, os abusadores, os vizinhos barulhentos. Respeitamos-lhes o futebol e pouco mais.

Quando uma actorzeca de telenovela, cujo nome nem me vou esforçar para recordar, veio a Portugal e gravou um vídeo inqualificável, tratando-nos como se fossemos todos o "Manuel Padeiro", elevámos o facto praticamente a um assunto de Estado. Sentimo-nos agredidos na nossa superioridade, exigimos desculpas - Deus do céu, a uma pateta que está longe de representar o Brasil ou o povo brasileiro...!

Porque, quanto ao seu melhor, ignoramo-lo. Estupidamente, deixamos passar ao lado tudo aquilo em que o Brasil se tornou maior, e claramente superior a nós: a música, a poesia, a literatura, o teatro, a imprensa.

Curiosamente, é em nome dessa arrogância portuguesa, que os artistas lusos em geral (e dói-me dizer isto, que só não vai suscitar contra mim grandes fúrias porque pouca gente me lê), se lamuriam tanto por causa da "injusta" troca, o "desequilibrado" intercâmbio artístico entre os dois países. E, neste aspecto, os músicos portugueses são terríveis - como se nunca lhes tivesse passado pela cabeça que, se há um grande desnível entre a música brasileira consumida pelos portugueses e a música portuguesa consumida pelos brasileiros, isso se deve, desde logo, e antes de qualquer "injustiça comercial", ao facto de que a música brasileira é uma das melhores e mais belas do mundo, arrojada, inovadora, com letras extraordinárias, um encanto próprio, um ritmo singularíssimo, enquanto que a música portuguesa, com excepção de alguns "casos", não tem uma qualidade que sequer se lhe aproxime.

Não lhes levemos a mal: os músicos portugueses sempre acharam que o problema do seu fraco sucesso pouco tinha que ver com o merecimento do que faziam. Os álibis abundavam, a culpa seria sempre dos outros: as rádios que os preteriam, os ouvintes que não estavam suficientemente educados, e por aí fora. O mesmo em relação ao cinema, o mesmo em relação ao que entendam.

Na minha opinião de pai a quem o filho, um dia há-de certamente ultrapassar em quase tudo, deixem-me que sintetize a minha análise. Ficámos para trás. Repetimo-nos, fechados no nosso orgulho e preconceito. O melhor que fizemos foi no tempo de Fernando Pessoa: foi o próprio Pessoa. Depois disso, somos incapazes de olhar para o espelho, perguntar-lhe «Há alguém mais belo do que eu?», e ouvi-lo responder: «Cara! Brinca comigo não! Cê tá perguntando sério?!»»

quinta-feira, abril 15, 2010

UM PAR DE DIÁLOGOS EXEMPLAR

«DAISY - Tantas formiguinhas. Tenho de ter muita atenção onde ponho os pés, coitadinhas, não é, mano?
DUARTE - Sim, sim. Para ver se não falhas nenhuma!»


«DAISY - Sabes o que aconteceu ao cão do vizinho, pai?
EU (preocupado com o que o irmão lhe possa ter dito) - O que aconteceu, filha?
DAISY - Eu sei. O mano disse-me. Foi para o céu comer ossos...
EU (aliviado) - Ah!
DAISY - O mano disse que os donos eram muito maus e os ossos que lhe davam aqui não prestavam, estavam podres, ele teve de ir procurar outros ao céu...»

domingo, abril 11, 2010

FRASES EXTARORDINÁRIAS

Da Zita:

«Fulano [que é, digamos assim, um amigo em segundo grau] utiliza o portátil com a mesma solenidade com que se usa um computador a sério.»