domingo, fevereiro 13, 2011

O LIXO

Vinham saindo da ópera.
Miró não a apreciara especialmente; a rapariga que tinha vindo de propósito dos Estados Unidos, precedida de uma fama que calava de antemão e de imediato todos os críticos, tinha grão na voz. «Não achaste, D'Annunzio?»
D'Annunzio, que fumava um cigarro, não parecia atento às suas palavras. As esposas riam-se, uns passos atrás, recordando um homem que não as largara, a noite inteira, do balcão, fixando-as, um binóculo de ópera em riste.
Aquela desatenção incomodou Miró.
«Não achaste que, para já, a mulher começa a envelhecer...? E depois, não era?, a voz, não reparaste...?»

Na noite escura, D'Annunzio encantara-se com outra coisa. Aproximou-se de um vulto.
«Chega aqui», disse ele a Miró.
Miró chegou-se. Era o caixote do lixo. Ao lado, um volume enorme, com pernas, talvez uma mesa, ou então...; Miró espremeu os olhos míopes contra a noite. Uma banheira? Antiga? Sim. Com pernas de leão.
«Anda cá», soprou D'Annunzio, excitadíssimo, descalçando as luvas brancas, pousando a cartola no chão. «Consegues? Pega aí desse lado. Se calhar. Força, força. Ó meninas, venham aqui dar uma ajuda».

Lou Salomé e Isadora Duncan vieram ver, rindo ainda muito. Dividiam a banheira por entre a força de todos.
«Mas para que queres tu isso?», perguntava-lhe Miró.
«Estás maluco?», irritou-se D'Annunzio. «Não fales, que ficas sem ar. Vá, vá, todos juntos. É linda, homem. É linda.»
«Aquele rapaz que vem ali talvez... humpf... nos possa ajudar... Olhe lá. Eh, chegue aqui!»
O rapaz, porém, escapuliu.
«Deve ter-se assustado com o nosso aspecto».
«Pois é, pois é. O certo é que amanhã de manhã vou tomar o banho de imersão mais maravilhoso de toda a minha vida. Vamos, força. Conjugados, um dois, três»

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