domingo, junho 05, 2011

SURPREENDER-ME

Esta noite tive um sonho que me pôs obviamente em face do não-eu que há em mim, a parcela de mim que não corresponde ao meu padrão e, por isso, me surpreende.

Alucinante: primeiramente, tratou-se de um sonho em que mantive sempre a consciência de estar a sonhar; mas habitualmente, nesses sonhos em que o sonhador sabe estar sonhando, tudo é vago e difuso, quase como se se estivesse a um passo de acordar, ou como se não se estivesse verdadeiramente a dormir. Aqui, não. Era tudo muito nítido e consistente; lembro-me de passear por aqueles corredores apreciando-os devidamente, como alguém que visita os cenários de um estúdio e vai comentando, de si para si: «Sim senhor, sim senhor, muito bem, isto é exactamente como a realidade...»

Estava talvez numa universidade. Um pouco antiga: poderia ter sido construída a partir de um mosteiro. Tectos altos, abobadados, espaços amplos, colunas, escadarias; «isto é fantástico; nem parece um sonho, muito bem feito, muito bem feito». [Não, não estou a plagiar o filme Origem, estou a narrar o meu sonho].

Em baixo, numa espécie de cave, havia uma venda de livros e uma exposição de bonecos. Eram bonecos pequenos, não me recordo se de louça. Penso que não. Dois estavam numa prateleira, um deles de óculos dourados, com algum brilho, o outro de óculos de massa, muito grossos. Não tinham mais do que um palmo de altura, os bonecos.

Tenho noção de que olhei para os livros, os folheei, e pensei: «isto está tão bem feito, é tudo tão consistente e constante, que, se tornar a olhar para os bonecos, os encontro exactamente iguais ao que eram a última vez que os vi, com as mesmas cores, no mesmo sítio...»; e olhei mesmo a tempo de ver que os óculos negros do segundo boneco tinham passado a óculos dourados. Ri-me, como perante uma surpresa e uma boa partida, tornei a desviar os olhos, pensando: «e passado este instante de alucinação, volto a olhar e os óculos negros regressaram...»

Em vez de óculos, negros ou dourados, o boneco tinha agora cravado no rosto uns círculos estranhos, como instrumentos de tortura. Cravados, disse bem: pareciam círculos munidos de dentes que se espetavam na carne, para os fixar. [Como solução para alguém que perdesse frequentemente os seus óculos...]. Tornei a desviar, com uma ligeira angústia - os óculos negros não vão voltar...?

E acordei.

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