sábado, junho 04, 2011

O ELOGIO DA MEDIOCRIDADE

Sou um tipo terrível. Sei-o perfeitamente. A minha visão sarcástica perturba um pouco; o meu prazer pela observação destrutiva e o meu gosto pelo ridículo raramente são bem-vindos. O sentido de humor que aprecio (e a que recorro implacavelmente) torna-me execrável. E delicioso.

Tentando divulgar, por todos os meios, o romance que escrevi, principiei a colaborar num blogue colectivo, que uma livraria disponibiliza aos autores que se auto-editam. Estou atento às reacções do público. Regresso continuamente ao computador, procuro na página do facebook, associada ao blogue, as reacções dos leitores; conto os «gosto». E é fantástico: um conto policial que tenho vindo a construir, episódio após episódio, e cujas personagens são animais, uma espécie de fábula negra, em suma, raramente consegue 5 ou 6 «gosto». A ideia é original, a fábula é culta: pisca o olho a Blacksad, ao detective Pepe Carvalho, que vai ensaiando receitas culinárias enquanto medita nos crimes, ao imortal Hercule Poirot. Tem humor, tem tensão, mistério. Inútil. 5 «gosto»; «6», na melhor das hipóteses.

Em contrapartida - desculpem-me a franqueza -, escreve no mesmo blogue um jovem, autor de certa saga nórdica, com deusas e deuses, cavalos e talismãs mitológicos. Ele faz desenhos: ora a deusa de que mais gosta, ora o guerreiro temível. A ideia é requentada, desculpem-me, desculpem-me, desculpem-me, mas, sobretudo, este jovem é um desesperante assassino da língua portuguesa. Um Odin cujo martelo se volta sobretudo contra a gramática. Custa ler, não tem interesse, é pesado, previsível - mas já o vi chegar aos 17 «gosto».

Ou então, o caso daquele senhor que se dedica ao que ele chama poesia. Sem sair do mesmo blogue. Ama, rima, associa a chuva ao choro. É paupérrimo. É de uma candura, de uma inocência, não tem talento, é verdade (não se pode ter tudo), mas tem tão boas intenções e uma sensibilidade quase divina (refiro-me à sensibilidade para o lugar comum). Talvez não tenha falado de paz, mas poderia. É o género. Pois não imaginam a catadupa de «gosto», os comentários que lhe garantem «lindo!» ou «que comovente», os :).

Entretanto, os meus episódios policiais prosseguem, entre as frases patéticas do poeta e a saga contra a língua portuguesa. Uma senhora escreve sobre uma menina e a grandeza do seu coração, e trás - dezenas de «gosto». Eu não tenho leitores, vá-se lá saber porquê. A ironia não pega, nem o sarcasmo, nem talvez a cultura. O lugar comum tem sempre leitores - satisfeitos consigo mesmos, prontos a premiar o medíocre. O raro não vinga.

É um post horroroso? Carregado de veneno e ressentimento? Eu sei. Eu sei. Eu sei. Era melhor não o ter escrito. Mas, já que o escrevi, por favor não o leiam.

2 comentários:

M P P disse...

Dói - dói no cotovelo???

M P P disse...

Dói dói no cotovelo?
Repara que já não uso o hífen. Aderi.