quinta-feira, maio 17, 2012

UTOPIA

A célula de uma sociedade é, segundo o meu modelo utópico, o bairro.

Nunca o casal. A experiência tem-se encarregado de me mostrar que um homem e uma mulher não estão fabricados para conviverem quotidianamente. Que se amem, se encontrem, partilhem gloriosos momentos de euforia, muito bem. Mas a coexistência no dia-a-dia é, precisamente, a experiência de uma incompatibilidade permanente: seja o resultado a guerrilha desgastante ou a escravização e a infelicidade de um deles, a verdade é que se trata sempre da morte do sonho e do amor. Se as razões são genéticas, se culturais, ainda não decidi. Para já, basta-me o facto. [E se não se tratar de um casal heterossexual, podem as coisas funcionar melhor? Tenho muitas dúvidas...]

A célula não seria também a família nuclear, com a vinda de filhos que só brevemente não virão desarranjar e complicar o "agregado", com as suas fases, aprendizagens, rebeldias, tiranias, dramas e borbulhas; nem a família mais extensa, agravada pela multiplicação de conflitos geracionais e a óbvia falta de espaço; mas também não creio que a célula fosse, alternativamente, a "comuna": amigos que se reúnem para uma vivência colectiva, com diferentes sensibilidades e horários, diferentes momentos de boa ou de má disposição, partilhando toalhas e giletes. A reunião dos amigos tem de ser um dia de festa, brinde e brincadeira. Copos e conversa. Ritos e risos. Mais do que isto, parece-me excessivo.

O que significa, então, "o bairro"? Que estamos todos perto uns dos outros, mas em espaços demarcados. Que a minha casa não dista da casa da mulher que amo, mas ninguém me vem dar ordens sobre a gestão do espaço ou da economia, mesmo que eu deixe a roupa por apanhar. Neste bairro deverá haver, aliás, lavandarias e engomadorias a uma distância franqueável. As crianças ora estão comigo, ora estão com a mãe, com os avós ou com os nossos amigos - ou com os seus amigos. [E reparo que é um pouco para esse modelo que se encaminham, mas aí, de certa forma, por acaso, as "separações amigáveis"]

Nesta visão de uma sociedade evoluída, formada por bairros com trocas e ligações entre si, teriam de ser abolidas várias instituições sem outra utilidade que não a de engordar e crescer à custa dos cidadãos. O Estado. A Escola. Mas, antes de todas, a instituição que deverá ser abolida imediata e primeiramente é a associação do condomínio.     

Sem comentários: