Num livro que tem sido apresentado como «revolucionário», um autor norte-americano - penso eu, mas talvez erre; será, porventura, um preconceito, mas estas «revoluções» parecem-me tipicamente americanas - sustenta que tudo aquilo praticamente que sempre se pensou ser prejudicial aos adolescentes é, afinal, benéfico para o seu desenvolvimento. O excesso de televisão. Os videogames. Os telemóveis. You name it. Nós, até agora, preocupados com os nossos filhos, evitando parvamente que eles se alienassem com os jogos de computador e outros vícios da cultura de massas e, pelo contrário, os jogos e os vícios a despertar-lhes as mentes, rasgando-lhes fronteiras à inteligência, adestrando-os e aperfeiçoando-os...! O tempo que desperdiçámos a mandá-los estudar aos invés de os deixarmos colados ao ecrã, movendo ruidosamente os polegares sobre os botões da consola para disparar rajadas contra as naves invasoras.
Sei que não há, nesse livro, nada de científico. O registo é o da argumentação. E desconfio muito dessa retórica de que se tecem teorias cómodas. Fujo delas como o diabo da cruz: sofro de um leve enjoo quando oiço um psicólogo pedir «tempo de qualidade» por oposição à «quantidade», querendo convencer-me de que os pais geralmente muito ocupados podem ser melhores do que os outros se forem capazes de fazer do quarto de hora em que estão com os filhos um quarto de hora a sério, de «qualidade», cheio de histórias e brincadeira.
Haverá sempre um psicólogo para entoar loas às virtudes do macDonald's, da coca-cola, das pipocas no cinema. Há-de haver um psicólogo pronto a justificar - pior, a tomar como exemplo salutar - o comportamento desses pais negligentes que atafulham as crianças, as mimam em excesso, lhes não negam nada, lhes oferecem jogos em vez de atenção.
Compensa-se a irresponsabilidade dessas teorias com o tom revolucionário e provocatório que elas ostentam, o irresistível cunho de novidade e, sobretudo, o efeito de desculpabilização para consciências atormentadas de alguns pais.
Para muitos, é um óptimo negócio.
sábado, julho 29, 2006
sábado, julho 08, 2006
A HISTERIA
Quando perguntei a uma amiga se tinha sofrido muito com o jogo em que, na noite anterior, a França destruira as lusas ilusões, ela respondeu-me: «Na verdade, fiquei aliviada. Temia que viesse aí uma nova vaga de histeria!»
Eu compreendo que este patriotismo de trazer por casa pareça tão mal, se não chocante, a alguns intelectuais. E não emprego o termo depreciativamente: é, obviamente, entre os intelectuais, como o Barroso, o Pulido Valente ou o Pacheco Pereira, que esta onda de bandeiras invandindo varandas e automóveis soa pindérico, estúpido, misturando valores respeitáveis com ludismos de pacotilha.
Do meu ponto de vista, porém, a questão que aqui se põe não é a do patriotismo foleiro, a do patriotismo fácil, a do patriotismo histérico. Não é, de todo, a questão do patriotismo.
Tenho dificuldade em aceitar que, no interior de um país que se despreza há muitos séculos, que talvez tenha nascido já de um desprezo por si mesmo - com a incompreensível interrupção dos Descobrimentos -, no interior de um país que se viu sempre diminuído em face do resto da Europa, a começar pela enorme e potente Espanha com a qual faz fronteira, no interior de um país que foi vivendo, em grande parte, de emigração, lançando pelo mundo porteiras, trabalhadores das obras e varredores, famílias chutadas para bairros degradados, olhadas de cima, desintegradas, sempre a braços com uma língua que não dominavam, que no interior deste país haja quem não entenda a adesão à selecção nacional, a euforia futebolística, como uma espécie de vingança pequenina contra a nossa condição de portugueses e contra um destino rasca que nos cabe. Que não se veja aqui, que diabo, uma questão de - odiosa palavra, perdoem-ma - «auto-estima».
Resolvemos os nossos problemas? Não. Teríamos solucionado algo do nosso fado, mesmo que o Zinedine Zidane não tivesse jogado ou o árbitro não mandasse marcar a porcaria do penalty? Não. Teria alguma coisa essencial mudado se, no fim, vencêssemos a Itália e fossemos os campeões do mundo?
Não. Andaríamos nas nuvens umas semanas, um mês, uns meses e, depois, tudo voltaria fatalmente ao ramerrão português.
Mas, caramba, que mal faz uma interrupção da tristeza? Um breve período de intensidade e comunhão? Um carnaval em que nos unimos, por uma vez positivamente, neste drama de sermos portugueses?
Histeria? Sem dúvida. Mas eu sempre achei que havia qualquer coisa de profundamente saudável na histeria. Doentes, doentes, eram os psiquiatras e os psicólogos que se debruçavam sobre ela.
Eu compreendo que este patriotismo de trazer por casa pareça tão mal, se não chocante, a alguns intelectuais. E não emprego o termo depreciativamente: é, obviamente, entre os intelectuais, como o Barroso, o Pulido Valente ou o Pacheco Pereira, que esta onda de bandeiras invandindo varandas e automóveis soa pindérico, estúpido, misturando valores respeitáveis com ludismos de pacotilha.
Do meu ponto de vista, porém, a questão que aqui se põe não é a do patriotismo foleiro, a do patriotismo fácil, a do patriotismo histérico. Não é, de todo, a questão do patriotismo.
Tenho dificuldade em aceitar que, no interior de um país que se despreza há muitos séculos, que talvez tenha nascido já de um desprezo por si mesmo - com a incompreensível interrupção dos Descobrimentos -, no interior de um país que se viu sempre diminuído em face do resto da Europa, a começar pela enorme e potente Espanha com a qual faz fronteira, no interior de um país que foi vivendo, em grande parte, de emigração, lançando pelo mundo porteiras, trabalhadores das obras e varredores, famílias chutadas para bairros degradados, olhadas de cima, desintegradas, sempre a braços com uma língua que não dominavam, que no interior deste país haja quem não entenda a adesão à selecção nacional, a euforia futebolística, como uma espécie de vingança pequenina contra a nossa condição de portugueses e contra um destino rasca que nos cabe. Que não se veja aqui, que diabo, uma questão de - odiosa palavra, perdoem-ma - «auto-estima».
Resolvemos os nossos problemas? Não. Teríamos solucionado algo do nosso fado, mesmo que o Zinedine Zidane não tivesse jogado ou o árbitro não mandasse marcar a porcaria do penalty? Não. Teria alguma coisa essencial mudado se, no fim, vencêssemos a Itália e fossemos os campeões do mundo?
Não. Andaríamos nas nuvens umas semanas, um mês, uns meses e, depois, tudo voltaria fatalmente ao ramerrão português.
Mas, caramba, que mal faz uma interrupção da tristeza? Um breve período de intensidade e comunhão? Um carnaval em que nos unimos, por uma vez positivamente, neste drama de sermos portugueses?
Histeria? Sem dúvida. Mas eu sempre achei que havia qualquer coisa de profundamente saudável na histeria. Doentes, doentes, eram os psiquiatras e os psicólogos que se debruçavam sobre ela.
quinta-feira, julho 06, 2006
A FRUSTRAÇÃO DOS D'ZRT
Os D'zrt não são propriamente uns garotos. Embora finjam um pouco que sim: por exemplo, um deles, já quase nos seus gastos trinta anos, fazia, nos MORANGOS COM AÇÚCAR, o papel desadequado de um jovem adolescente apaixonado pela professora de Inglês; o outro, o inefável Zé Milho dos mesmos MORANGOS, também deve ter-se atrasado alguns anos na sua qualidade de miúdo, qualidade que não foi capaz de largar a tempo. E portanto, crescidotes como são, suspeito que, ao formarem uma banda, o sonho deles era serem uns tipos irreverentes, parasitando o hip-hop, com um público de jovens um pouco embriagados fazendo gestos obscenos e sacudindo-se a compasso nos seus concertos.
Observo, na televisão, o verdadeiro público dos D'Zrt: meninas de trancinhas e aparelho nos dentes, às cavalitas dos pais, bebés adormecidos no carrinho ou ao colo da mãe, miúdos de chucha, sardentos, alguns rapazolas com albuns de cromos debaixo do braço. E, aí, atenção: nem todos os rapazes! O meu filho olha com alguma indignação para o CD dos D'zrt que lhe ofereceram nos anos. Detesta-os. Tenho nisso algum orgulho, mas pouca influência. Os meninos que, em quase tudo o mais evoluem mais lentamente do que as meninas, nisto, parecem muito mais lúcidos. Os colegas do Duarte deformam-lhes as letras das músicas, ridicularizando-as divertida e gostosamente. Chego a ter pena do Topé e do Zé Milho!
Não acredito que o sonho dos D'zrt fosse esta multidão de crianças a pedirem-lhes autógrafos, com a caneta numa mão e a Barbie na outra.
Observo, na televisão, o verdadeiro público dos D'Zrt: meninas de trancinhas e aparelho nos dentes, às cavalitas dos pais, bebés adormecidos no carrinho ou ao colo da mãe, miúdos de chucha, sardentos, alguns rapazolas com albuns de cromos debaixo do braço. E, aí, atenção: nem todos os rapazes! O meu filho olha com alguma indignação para o CD dos D'zrt que lhe ofereceram nos anos. Detesta-os. Tenho nisso algum orgulho, mas pouca influência. Os meninos que, em quase tudo o mais evoluem mais lentamente do que as meninas, nisto, parecem muito mais lúcidos. Os colegas do Duarte deformam-lhes as letras das músicas, ridicularizando-as divertida e gostosamente. Chego a ter pena do Topé e do Zé Milho!
Não acredito que o sonho dos D'zrt fosse esta multidão de crianças a pedirem-lhes autógrafos, com a caneta numa mão e a Barbie na outra.
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