sábado, julho 08, 2006

A HISTERIA

Quando perguntei a uma amiga se tinha sofrido muito com o jogo em que, na noite anterior, a França destruira as lusas ilusões, ela respondeu-me: «Na verdade, fiquei aliviada. Temia que viesse aí uma nova vaga de histeria!»

Eu compreendo que este patriotismo de trazer por casa pareça tão mal, se não chocante, a alguns intelectuais. E não emprego o termo depreciativamente: é, obviamente, entre os intelectuais, como o Barroso, o Pulido Valente ou o Pacheco Pereira, que esta onda de bandeiras invandindo varandas e automóveis soa pindérico, estúpido, misturando valores respeitáveis com ludismos de pacotilha.

Do meu ponto de vista, porém, a questão que aqui se põe não é a do patriotismo foleiro, a do patriotismo fácil, a do patriotismo histérico. Não é, de todo, a questão do patriotismo.
Tenho dificuldade em aceitar que, no interior de um país que se despreza há muitos séculos, que talvez tenha nascido já de um desprezo por si mesmo - com a incompreensível interrupção dos Descobrimentos -, no interior de um país que se viu sempre diminuído em face do resto da Europa, a começar pela enorme e potente Espanha com a qual faz fronteira, no interior de um país que foi vivendo, em grande parte, de emigração, lançando pelo mundo porteiras, trabalhadores das obras e varredores, famílias chutadas para bairros degradados, olhadas de cima, desintegradas, sempre a braços com uma língua que não dominavam, que no interior deste país haja quem não entenda a adesão à selecção nacional, a euforia futebolística, como uma espécie de vingança pequenina contra a nossa condição de portugueses e contra um destino rasca que nos cabe. Que não se veja aqui, que diabo, uma questão de - odiosa palavra, perdoem-ma - «auto-estima».

Resolvemos os nossos problemas? Não. Teríamos solucionado algo do nosso fado, mesmo que o Zinedine Zidane não tivesse jogado ou o árbitro não mandasse marcar a porcaria do penalty? Não. Teria alguma coisa essencial mudado se, no fim, vencêssemos a Itália e fossemos os campeões do mundo?
Não. Andaríamos nas nuvens umas semanas, um mês, uns meses e, depois, tudo voltaria fatalmente ao ramerrão português.
Mas, caramba, que mal faz uma interrupção da tristeza? Um breve período de intensidade e comunhão? Um carnaval em que nos unimos, por uma vez positivamente, neste drama de sermos portugueses?
Histeria? Sem dúvida. Mas eu sempre achei que havia qualquer coisa de profundamente saudável na histeria. Doentes, doentes, eram os psiquiatras e os psicólogos que se debruçavam sobre ela.

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