Eu, que não recebia comentários há vários meses e me conformei ou quase, ou que, pelo menos, me desabituei de clamar chorosamente por eles, tinha, ontem ou anteontem, umas linhas em inglês: um tal Unjava ou qualquer coisa assim - não sei, não me lembro (espero que se não tratasse do jovem e promissor escritor angolano Ondjaaki) -, exprimia, tratando-me por «Gil», o seu apreço pelos artigos do meu site, com o qual aprendia muito. Tudo aquilo - o nome, o inglês, o elogio sem mais... - me soaram tão pouco credíveis, tão a «vírus» ou a «vendas», que optei por eliminar esse primeiro comentário - ainda para mais apologético - de há vários meses. Agora, claro, arrependo-me. E choramingo um pouco. E se...?
Não deixo, contudo, de me interrogar; sobretudo porque o referido comentário me era deixado a propósito do post «Leis Kaosticas». Preocupo-me, pois: será que alguém que, em referência directa a uma explicação estúpida para as buzinadelas diante dos semáforos, diz que «aprende muito com o meu blogue», me terá levado a sério? Isto é: mais a sério do que se pretendia? Será que poderá dar-se o caso - imaginemos que é um estudante -, de ele vir a apresentar, num trabalho académico, a teoria de que a mudança do vermelho para o verde é percebida mais rapidamente pelos condutores que se encontram, na bicha, mais longe do lugar imediatamente diante do semáforo? Diacho!
Porque há duas hipóteses: ou este leitor é uma fera do sarcasmo, ou tem estado de facto a «aprender» com os meus textos. E isso faz-me pensar quão maléfico poderá ter sido, por um absurdo efeito perverso, senão por um efeito perverso absurdo, o impacto do kaostico entre leitores mais jovens e particularmente fechados à ironia: não acabarei como Sócrates ou, vá lá, para salvaguardar as distâncias devidas, um Sócrates de trazer por casa?
Ó Undjave, ou lá como te assinas: olha que, no kaostico, raramente se tenta ensinar. O meu negócio é mais o de desensinar. And a good day to you too, my friend.
sábado, novembro 25, 2006
quarta-feira, novembro 15, 2006
LEIS KAÓSTICAS
Quando se forma uma bicha diante de um semáforo vermelho e, após uma longa espera, a luz muda para verde, esta transição é sempre apercebida, pelos condutores na bicha, tanto mais rapidamente quanto mais longe se encontram do primeiro lugar, mesmo em frente do semáforo.
O primeiro da bicha é sempre o último a perceber que já pode arrancar.
O último da bicha é sempre o primeiro a perceber que o primeiro já deveria ter arrancado há vários segundos.
E assim sucessivamente, numa compreensão cuja rapidez é sempre inversamente proporcional ao lugar que se ocupa na bicha.
Daí, as buzinadelas.
O primeiro da bicha é sempre o último a perceber que já pode arrancar.
O último da bicha é sempre o primeiro a perceber que o primeiro já deveria ter arrancado há vários segundos.
E assim sucessivamente, numa compreensão cuja rapidez é sempre inversamente proporcional ao lugar que se ocupa na bicha.
Daí, as buzinadelas.
segunda-feira, novembro 13, 2006
A ESCOLA E OS MAUS ALUNOS
Sabemos, por pouco marxistas que sejamos, em que medida a «escola pública» é uma instituição de cariz ideológico, que visa formar os jovens, desde cedo, como cidadãos, isto é, de acordo com a visão e as regras que convêm ao poder instituído.
A escola democrática assenta num princípio que é, quanto a mim, o principal equívoco da democracia. A igualdade. Deixem-me dizê-lo: querendo conciliar a ideia da «igualdade» com a necessidade de avaliar e classificar, que se lhe opõe inteiramente, que resultado se obtém? Bom: obtém-se a ideia perniciosa e pateta de que todos os «objectivos» são, por igual, alcançáveis pelos alunos. Como a prática se encarrega de mostrar sistematicamente que isso não sucede, tendem a abrir-se duas hipóteses para explicar por que diabo tais objectivos, teoricamente alcançáveis, raramente são, de facto, alcançados por todos: segundo uma delas, a culpa é dos alunos. A maioria dos professores, como é evidente, prefere esta explicação. Há alunos que não querem, não se esforçam, não se aplicam, não se interessam - ou, na sua formulação mais benigna, menos chocante, politicamente correcta, alguns alunos vivem em condições socio-culturais que os colocam em má posição na corrida: não têm pais formados, ou empenhados em ajudá-los, não têm computador, ou são oriundos de uma cultura que não valoriza a leitura, por exemplo...; segundo a outra hipótese, que é a preferida pelos alunos, pelos pais, pelos sucessivos ministros da Educação, pela sociedade em geral, a culpa é dos professores. De acordo com esta ideia, só há negativas e insucesso porque há maus professores. Que não motivam. Que não usam as estratégias adequadas - qualquer turma e qualquer aluno poderá corresponder desde que tenha o professor capaz de.
Do meu ponto de vista, ambas as hipóteses estão erradas. É o princípio em que assenta a escola democrática, que não pode ser levado a sério. O mito da «igualdade» nunca fez grande sentido: as competências, as capacidades, os talentos, as inteligências até, são muito diferentes nos diversos adolescentes. Pensar sempre que um aluno com «capacidades» que não as «aproveita» o não faz porque «não quer», porque «não trabalha mais», é laborar num erro: as pessoas são formáveis e «transformáveis», sim, mas o tipo de «transformação» que a escola exige, sem levar em consideração a singularidade de cada aluno, sem tentar fazer brilhar aquilo em que cada um é excelente ao mesmo tempo que o faz conviver e familiarizar-se, sem medo nem traumas, com aquilo em que é menos bom, é um funil castrante e esmagador.
Olho para alunos cheios de «capacidades», cujos resultados são, porém, sofríveis, e penso: Ele poderia. Se «estudasse mais», se tivesse «método», se criasse «hábitos de trabalho». (são sempre estes os termos que repetimos nas actas). Raios, por que é que ele não se esforça? Está na mão dele, é esperto, escreve bem...! Mas - e se a sua ausência de método for simplesmente a presença de um outro tipo de método, invisível do ponto de vista dos critérios e dos padrões de eficácia da escola? E se a sua desadequação, a sua inaptidão, a sua, às vezes quase me apetece dizer: estupidez!, não fosse senão a expressão de talentos e aptidões com que a escola não trabalha, nunca trabalhou, não saberia trabalhar?
Podem dizer-me: Pobre homem, ficou-se na mensagem dos Pink Floyd! Que anos setenta! Eu não me importo. E não, não, não penso que a solução fosse a escola relativista, sem regras (para não traumatizar), sem classificações nem exigência. Não, não, não penso que a solução fosse o reino da pura singularidade. Mas não tenho dúvidas de que o aliciante para mim, como professor, será sempre, sem cair na relatividade e na anarquia do indivíduo, sem prescindir de critérios universais nem de uma predominância do colectivo, ter sempre presente que o colectivo não é a soma nem a média de elementos idênticos, que a forma e o talento próprios de cada um são um enriquecimento do grupo, não uma excrecência, nunca um lixo que se deva eliminar.
A ministra, sempre tão preocupada com o insucesso, não seria capaz de entender a minha linguagem. Suspeito que os Pink Floyd, no fundo, também não.
Mas, muitos séculos atrás, Aristóteles abria esta senda.
A escola democrática assenta num princípio que é, quanto a mim, o principal equívoco da democracia. A igualdade. Deixem-me dizê-lo: querendo conciliar a ideia da «igualdade» com a necessidade de avaliar e classificar, que se lhe opõe inteiramente, que resultado se obtém? Bom: obtém-se a ideia perniciosa e pateta de que todos os «objectivos» são, por igual, alcançáveis pelos alunos. Como a prática se encarrega de mostrar sistematicamente que isso não sucede, tendem a abrir-se duas hipóteses para explicar por que diabo tais objectivos, teoricamente alcançáveis, raramente são, de facto, alcançados por todos: segundo uma delas, a culpa é dos alunos. A maioria dos professores, como é evidente, prefere esta explicação. Há alunos que não querem, não se esforçam, não se aplicam, não se interessam - ou, na sua formulação mais benigna, menos chocante, politicamente correcta, alguns alunos vivem em condições socio-culturais que os colocam em má posição na corrida: não têm pais formados, ou empenhados em ajudá-los, não têm computador, ou são oriundos de uma cultura que não valoriza a leitura, por exemplo...; segundo a outra hipótese, que é a preferida pelos alunos, pelos pais, pelos sucessivos ministros da Educação, pela sociedade em geral, a culpa é dos professores. De acordo com esta ideia, só há negativas e insucesso porque há maus professores. Que não motivam. Que não usam as estratégias adequadas - qualquer turma e qualquer aluno poderá corresponder desde que tenha o professor capaz de.
Do meu ponto de vista, ambas as hipóteses estão erradas. É o princípio em que assenta a escola democrática, que não pode ser levado a sério. O mito da «igualdade» nunca fez grande sentido: as competências, as capacidades, os talentos, as inteligências até, são muito diferentes nos diversos adolescentes. Pensar sempre que um aluno com «capacidades» que não as «aproveita» o não faz porque «não quer», porque «não trabalha mais», é laborar num erro: as pessoas são formáveis e «transformáveis», sim, mas o tipo de «transformação» que a escola exige, sem levar em consideração a singularidade de cada aluno, sem tentar fazer brilhar aquilo em que cada um é excelente ao mesmo tempo que o faz conviver e familiarizar-se, sem medo nem traumas, com aquilo em que é menos bom, é um funil castrante e esmagador.
Olho para alunos cheios de «capacidades», cujos resultados são, porém, sofríveis, e penso: Ele poderia. Se «estudasse mais», se tivesse «método», se criasse «hábitos de trabalho». (são sempre estes os termos que repetimos nas actas). Raios, por que é que ele não se esforça? Está na mão dele, é esperto, escreve bem...! Mas - e se a sua ausência de método for simplesmente a presença de um outro tipo de método, invisível do ponto de vista dos critérios e dos padrões de eficácia da escola? E se a sua desadequação, a sua inaptidão, a sua, às vezes quase me apetece dizer: estupidez!, não fosse senão a expressão de talentos e aptidões com que a escola não trabalha, nunca trabalhou, não saberia trabalhar?
Podem dizer-me: Pobre homem, ficou-se na mensagem dos Pink Floyd! Que anos setenta! Eu não me importo. E não, não, não penso que a solução fosse a escola relativista, sem regras (para não traumatizar), sem classificações nem exigência. Não, não, não penso que a solução fosse o reino da pura singularidade. Mas não tenho dúvidas de que o aliciante para mim, como professor, será sempre, sem cair na relatividade e na anarquia do indivíduo, sem prescindir de critérios universais nem de uma predominância do colectivo, ter sempre presente que o colectivo não é a soma nem a média de elementos idênticos, que a forma e o talento próprios de cada um são um enriquecimento do grupo, não uma excrecência, nunca um lixo que se deva eliminar.
A ministra, sempre tão preocupada com o insucesso, não seria capaz de entender a minha linguagem. Suspeito que os Pink Floyd, no fundo, também não.
Mas, muitos séculos atrás, Aristóteles abria esta senda.
quinta-feira, novembro 02, 2006
COMO EMENDAR CLIENTES DE QUE SE NÃO GOSTA
Não é que eu não aprecie comer um bife pouco saudável no «Portugália» - com molho de mostarda, batatas fritas, etc. Aprecio. O que, de facto, não me agrada no «Portugália», é um certo género de empregados que faz questão de mostrar que sabe mais do que o cliente - e nunca se coibe de o educar.
Um exemplo: há precisamente uma semana, estávamos eu e o meu filho sentados a uma mesa do restaurante, e fazíamos o nosso pedido a um senhor muito alto, muito hirto, demasiado sério, pouco dado a brincadeiras. O meu filho, criança irrequieta, activa, quase no limiar da hiperactividade, ia rodando, entretanto, a faca sobre a mesa. Até que o tal empregado hirto, neurótico, não podendo resistir mais, lhe arrancou a faca e a acertou no lugar devido, junto ao prato.
O miudo, espantado mas ainda com uma réstea de energia para esgotar, iniciou, então, uma rotação com o garfo sobre a mesa, rotação essa imediatamente interrompida pelo senhor. Mas como parecesse que o Duarte não se dera ainda por satisfeito, o homem teve, de repente, uma espécie de iluminação; sussurrou, na sua entoação brasileira, «Cê quer hambúrger no pão, né mesmo? Então não vai precisar disso aí»; pegou nos talheres, e levou-os para longe...
O que me irrita é este tipo de superioridade dos empregados de certos restaurantes, não só, aliás, do «Portugália» (embora, aí, pareçam ter frequentado todos uma Acção de Formação sobre como pôr os clientes na linha).
O que me faz reviver uma outra situação, de uma vez em que eu e a minha mulher almoçávamos num lugar aprazível, com uma vista soberba sobre a Baía de Cascais, e a Adelaide achou que o que lhe apetecia, naquele momento, era precisamente um menu infantil.
Ao que a empregada, uma de óculos grossos e rictus de permanente zanga com o mundo, contestou, friamente:
- Peço desculpa, mas não vejo aqui nenhuma criança.
A Adelaide ainda pensou que se tratasse de uma brincadeira. Ainda pensou, coitada, que poderia responder com uma outra brincadeira. E atirou:
- Há uma criança dentro e cada um de nós, não é verdade?
- Ah, pois é - fechou a mulher, sem a sombra de um sorriso -, mas essa criança que há dentro da senhora não tem direito a menu infantil.
Um exemplo: há precisamente uma semana, estávamos eu e o meu filho sentados a uma mesa do restaurante, e fazíamos o nosso pedido a um senhor muito alto, muito hirto, demasiado sério, pouco dado a brincadeiras. O meu filho, criança irrequieta, activa, quase no limiar da hiperactividade, ia rodando, entretanto, a faca sobre a mesa. Até que o tal empregado hirto, neurótico, não podendo resistir mais, lhe arrancou a faca e a acertou no lugar devido, junto ao prato.
O miudo, espantado mas ainda com uma réstea de energia para esgotar, iniciou, então, uma rotação com o garfo sobre a mesa, rotação essa imediatamente interrompida pelo senhor. Mas como parecesse que o Duarte não se dera ainda por satisfeito, o homem teve, de repente, uma espécie de iluminação; sussurrou, na sua entoação brasileira, «Cê quer hambúrger no pão, né mesmo? Então não vai precisar disso aí»; pegou nos talheres, e levou-os para longe...
O que me irrita é este tipo de superioridade dos empregados de certos restaurantes, não só, aliás, do «Portugália» (embora, aí, pareçam ter frequentado todos uma Acção de Formação sobre como pôr os clientes na linha).
O que me faz reviver uma outra situação, de uma vez em que eu e a minha mulher almoçávamos num lugar aprazível, com uma vista soberba sobre a Baía de Cascais, e a Adelaide achou que o que lhe apetecia, naquele momento, era precisamente um menu infantil.
Ao que a empregada, uma de óculos grossos e rictus de permanente zanga com o mundo, contestou, friamente:
- Peço desculpa, mas não vejo aqui nenhuma criança.
A Adelaide ainda pensou que se tratasse de uma brincadeira. Ainda pensou, coitada, que poderia responder com uma outra brincadeira. E atirou:
- Há uma criança dentro e cada um de nós, não é verdade?
- Ah, pois é - fechou a mulher, sem a sombra de um sorriso -, mas essa criança que há dentro da senhora não tem direito a menu infantil.
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