segunda-feira, novembro 13, 2006

A ESCOLA E OS MAUS ALUNOS

Sabemos, por pouco marxistas que sejamos, em que medida a «escola pública» é uma instituição de cariz ideológico, que visa formar os jovens, desde cedo, como cidadãos, isto é, de acordo com a visão e as regras que convêm ao poder instituído.

A escola democrática assenta num princípio que é, quanto a mim, o principal equívoco da democracia. A igualdade. Deixem-me dizê-lo: querendo conciliar a ideia da «igualdade» com a necessidade de avaliar e classificar, que se lhe opõe inteiramente, que resultado se obtém? Bom: obtém-se a ideia perniciosa e pateta de que todos os «objectivos» são, por igual, alcançáveis pelos alunos. Como a prática se encarrega de mostrar sistematicamente que isso não sucede, tendem a abrir-se duas hipóteses para explicar por que diabo tais objectivos, teoricamente alcançáveis, raramente são, de facto, alcançados por todos: segundo uma delas, a culpa é dos alunos. A maioria dos professores, como é evidente, prefere esta explicação. Há alunos que não querem, não se esforçam, não se aplicam, não se interessam - ou, na sua formulação mais benigna, menos chocante, politicamente correcta, alguns alunos vivem em condições socio-culturais que os colocam em má posição na corrida: não têm pais formados, ou empenhados em ajudá-los, não têm computador, ou são oriundos de uma cultura que não valoriza a leitura, por exemplo...; segundo a outra hipótese, que é a preferida pelos alunos, pelos pais, pelos sucessivos ministros da Educação, pela sociedade em geral, a culpa é dos professores. De acordo com esta ideia, só há negativas e insucesso porque há maus professores. Que não motivam. Que não usam as estratégias adequadas - qualquer turma e qualquer aluno poderá corresponder desde que tenha o professor capaz de.

Do meu ponto de vista, ambas as hipóteses estão erradas. É o princípio em que assenta a escola democrática, que não pode ser levado a sério. O mito da «igualdade» nunca fez grande sentido: as competências, as capacidades, os talentos, as inteligências até, são muito diferentes nos diversos adolescentes. Pensar sempre que um aluno com «capacidades» que não as «aproveita» o não faz porque «não quer», porque «não trabalha mais», é laborar num erro: as pessoas são formáveis e «transformáveis», sim, mas o tipo de «transformação» que a escola exige, sem levar em consideração a singularidade de cada aluno, sem tentar fazer brilhar aquilo em que cada um é excelente ao mesmo tempo que o faz conviver e familiarizar-se, sem medo nem traumas, com aquilo em que é menos bom, é um funil castrante e esmagador.

Olho para alunos cheios de «capacidades», cujos resultados são, porém, sofríveis, e penso: Ele poderia. Se «estudasse mais», se tivesse «método», se criasse «hábitos de trabalho». (são sempre estes os termos que repetimos nas actas). Raios, por que é que ele não se esforça? Está na mão dele, é esperto, escreve bem...! Mas - e se a sua ausência de método for simplesmente a presença de um outro tipo de método, invisível do ponto de vista dos critérios e dos padrões de eficácia da escola? E se a sua desadequação, a sua inaptidão, a sua, às vezes quase me apetece dizer: estupidez!, não fosse senão a expressão de talentos e aptidões com que a escola não trabalha, nunca trabalhou, não saberia trabalhar?

Podem dizer-me: Pobre homem, ficou-se na mensagem dos Pink Floyd! Que anos setenta! Eu não me importo. E não, não, não penso que a solução fosse a escola relativista, sem regras (para não traumatizar), sem classificações nem exigência. Não, não, não penso que a solução fosse o reino da pura singularidade. Mas não tenho dúvidas de que o aliciante para mim, como professor, será sempre, sem cair na relatividade e na anarquia do indivíduo, sem prescindir de critérios universais nem de uma predominância do colectivo, ter sempre presente que o colectivo não é a soma nem a média de elementos idênticos, que a forma e o talento próprios de cada um são um enriquecimento do grupo, não uma excrecência, nunca um lixo que se deva eliminar.

A ministra, sempre tão preocupada com o insucesso, não seria capaz de entender a minha linguagem. Suspeito que os Pink Floyd, no fundo, também não.

Mas, muitos séculos atrás, Aristóteles abria esta senda.

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