1. Entre os professores, como em todas as profissões, há bons e maus profissionais
2. Em regra, os maus são os professores dos nossos filhos
3. A mesma regra se aplica, mutatis mutandis, às mulheres-a-dias. No caso, deverá ser enunciada como se segue: «Há, certamente, mulheres-a-dias que fazem um bom trabalho e mulheres-a-dias que fazem um mau trabalho. Em minha casa nunca entrou uma mulher-a-dias da primeira categoria».
4. Estas regras podem parecer triviais. Mesmo patetas. O seu alcance, porém, é assombroso: se repararem bem, elas vêm pôr completamente em causa a credibilidade e a serventia do cálculo de probabilidades...
5. Ou seja: na sua aparente simplicidade, preparam uma revolução qualquer no estádio do conhecimento humano.
segunda-feira, dezembro 25, 2006
domingo, dezembro 24, 2006
SIMPLESMENTE UM CONTO SACRÍLEGO
1.
Deus Pai Todo Poderoso tinha um gnomo, seu braço direito, que o ajudava diligentemente. A razão pela qual se não fala, hoje, desse apoio é esta: a mais simples referência a ele foi completa e sucessivamente expurgada, suprimida de todos os textos sagrados. Tomás de Aquino, chamado «O Boi», perguntava-se, a esse propósito, eloquententemente: «Por que haveria Deus, O Todo Poderoso, de carecer de um ajudante? E porquê um anão? Por que não um gigante?» [Summa Theologica, 6-3]
2.
O trabalho do gnomo de Deus era monótono e, francamente, o pobre ser ressentia-se muito disso, dessa sua tarefa que consistia em garantir, antes ainda de serem depositadas nos corpos, que determinadas almas afins haveriam, depois, de se encontrar: estavam, digamos, predestinadas umas às outras; a virem a ligar-se, mais tarde, na vida terrena, por laços de afecto diverso: estes dois iriam amar-se, aqueles outros iriam ser amigos para a vida, outros mais, mestre e aprendiz, ou professor e aluno, ou...
3.
Trabalho importante, mas tão cansativo!
O gnomo de Deus tinha pouco tempo vago ao longo da longa eternidade. Porém, devido a uma curiosidade insana, pouco cristã, semelhante à que viria a perder Adão e Eva, o pequeno espírito aproveitava as suas horas vagas para ler a obra completa de Lucifer, que lhe havia sido recomendada pela alma, ao tempo ainda descarnada, de Pacheco Pereira. A obra completa de Lucifer era tremenda, terrível, temível. Escrevia Lucifer, a dado passo: «Eu não simbolizo o Mal, mas, simplesmente, um ponto de vista diferente. Por que diabo há-de ser tão custoso a Deus admitir que haja outros pontos de vista para além do seu??? Que intolerância!» E, noutro passo: «É fundamental que se entenda que, sob o colorido do Céu, que a todos atrai, existem operários que se dedicam a um trabalho ingrato, monótono, que nunca é compensado a não ser em harmonia celeste: por outras palavras, o único salário dos trabalhadores de Deus, é que Deus não se zangue com eles. A pretexto de que são puros espíritos, não têm necessidades nem carências de ordem alguma, nada mais se lhes paga».
4.
Quanto mais o gnomo lia, nas horas vagas, aquelas páginas incendiárias, carregadas de uma fúria rebelde, mais a sua situação lhe parecia injusta, mais o seu Patrão lhe parecia gozar de um prestígio imerecido, mais lhe apetecia contrariá-lo, defraudá-lo, desobedecer-lhe, desencadear a luta de classes...
5.
Ah, mas tinha medo. Muito medo.
6.
Até que um dia, mergulhado nas suas cogitações revolucionárias, por engano, por puro engano, por mero acidente, destinou para um encontro para toda a vida terrestre duas almas incompatíveis, completamente avessas. Primeiro, ficou aflito. Quis corrigir, contudo era tarde. Prevenir Deus, porém não teve coragem. Mas, curiosamente, percebeu que o erro passava. Que nem Deus, o próprio Deus, o Grande Deus, se apercebia...
7.
Então repetiu, agora deliberadamente, imperdoavelmente, o mesmo tipo de erro. Sempre impunemente. E mais uma vez, e outra, satisfeito consigo mesmo, sentindo correr-lhe nas veias espirituais um sangue de vingança: semeava conflitos, preparava para se encontrarem e juntarem para sempre naturezas opostas, seres que nunca se compreenderiam, laços de ódio e de conflito.
8.
Desse momento em diante, era já muito tarde para reverter o que quer que fosse. Almas fabricadas para se predestinarem, nunca se encontrariam. Em contrapartida, pessoas que só por humor negro poderiam viver juntas, essas, juntavam-se sob o mesmo tecto, completamente iludidas, rapidamente desiludidas, procriando, em constante guerrilha, filhos que, depois, odiavam, que os odiavam...
9.
Algures, noutra parte, impossível de vir a ser encontrada por cada um, o seu par, o seu verdadeiro par, o seu encaixe (o professor que o entusiasmaria, o amigo que o compreenderia...) - vivia uma vida impossível, encaixado, por sua vez, em alguém que odiava e a quem odiava.
10.
Esta é a verdade. Entretanto, por quanto tempo vos parece que se poderia enganar Deus Pai Todo Poderoso? A fraude do gnomo foi descoberta. O gnomo foi lançado no inferno, onde arde juntamente com Marx, Freud, Nietzsche, Darwin e outros.
11.
Deus trabalha, hoje, sozinho. Nunca mais aceitou braços direitos. Tudo indica, porém que, quanto mais não seja por piada ou, então, porque a burocracia se instalou irreversivelmente, continue a baralhar as peças, a promover encontros falsos, impossíveis, e a semear ligações perigosas!
Deus Pai Todo Poderoso tinha um gnomo, seu braço direito, que o ajudava diligentemente. A razão pela qual se não fala, hoje, desse apoio é esta: a mais simples referência a ele foi completa e sucessivamente expurgada, suprimida de todos os textos sagrados. Tomás de Aquino, chamado «O Boi», perguntava-se, a esse propósito, eloquententemente: «Por que haveria Deus, O Todo Poderoso, de carecer de um ajudante? E porquê um anão? Por que não um gigante?» [Summa Theologica, 6-3]
2.
O trabalho do gnomo de Deus era monótono e, francamente, o pobre ser ressentia-se muito disso, dessa sua tarefa que consistia em garantir, antes ainda de serem depositadas nos corpos, que determinadas almas afins haveriam, depois, de se encontrar: estavam, digamos, predestinadas umas às outras; a virem a ligar-se, mais tarde, na vida terrena, por laços de afecto diverso: estes dois iriam amar-se, aqueles outros iriam ser amigos para a vida, outros mais, mestre e aprendiz, ou professor e aluno, ou...
3.
Trabalho importante, mas tão cansativo!
O gnomo de Deus tinha pouco tempo vago ao longo da longa eternidade. Porém, devido a uma curiosidade insana, pouco cristã, semelhante à que viria a perder Adão e Eva, o pequeno espírito aproveitava as suas horas vagas para ler a obra completa de Lucifer, que lhe havia sido recomendada pela alma, ao tempo ainda descarnada, de Pacheco Pereira. A obra completa de Lucifer era tremenda, terrível, temível. Escrevia Lucifer, a dado passo: «Eu não simbolizo o Mal, mas, simplesmente, um ponto de vista diferente. Por que diabo há-de ser tão custoso a Deus admitir que haja outros pontos de vista para além do seu??? Que intolerância!» E, noutro passo: «É fundamental que se entenda que, sob o colorido do Céu, que a todos atrai, existem operários que se dedicam a um trabalho ingrato, monótono, que nunca é compensado a não ser em harmonia celeste: por outras palavras, o único salário dos trabalhadores de Deus, é que Deus não se zangue com eles. A pretexto de que são puros espíritos, não têm necessidades nem carências de ordem alguma, nada mais se lhes paga».
4.
Quanto mais o gnomo lia, nas horas vagas, aquelas páginas incendiárias, carregadas de uma fúria rebelde, mais a sua situação lhe parecia injusta, mais o seu Patrão lhe parecia gozar de um prestígio imerecido, mais lhe apetecia contrariá-lo, defraudá-lo, desobedecer-lhe, desencadear a luta de classes...
5.
Ah, mas tinha medo. Muito medo.
6.
Até que um dia, mergulhado nas suas cogitações revolucionárias, por engano, por puro engano, por mero acidente, destinou para um encontro para toda a vida terrestre duas almas incompatíveis, completamente avessas. Primeiro, ficou aflito. Quis corrigir, contudo era tarde. Prevenir Deus, porém não teve coragem. Mas, curiosamente, percebeu que o erro passava. Que nem Deus, o próprio Deus, o Grande Deus, se apercebia...
7.
Então repetiu, agora deliberadamente, imperdoavelmente, o mesmo tipo de erro. Sempre impunemente. E mais uma vez, e outra, satisfeito consigo mesmo, sentindo correr-lhe nas veias espirituais um sangue de vingança: semeava conflitos, preparava para se encontrarem e juntarem para sempre naturezas opostas, seres que nunca se compreenderiam, laços de ódio e de conflito.
8.
Desse momento em diante, era já muito tarde para reverter o que quer que fosse. Almas fabricadas para se predestinarem, nunca se encontrariam. Em contrapartida, pessoas que só por humor negro poderiam viver juntas, essas, juntavam-se sob o mesmo tecto, completamente iludidas, rapidamente desiludidas, procriando, em constante guerrilha, filhos que, depois, odiavam, que os odiavam...
9.
Algures, noutra parte, impossível de vir a ser encontrada por cada um, o seu par, o seu verdadeiro par, o seu encaixe (o professor que o entusiasmaria, o amigo que o compreenderia...) - vivia uma vida impossível, encaixado, por sua vez, em alguém que odiava e a quem odiava.
10.
Esta é a verdade. Entretanto, por quanto tempo vos parece que se poderia enganar Deus Pai Todo Poderoso? A fraude do gnomo foi descoberta. O gnomo foi lançado no inferno, onde arde juntamente com Marx, Freud, Nietzsche, Darwin e outros.
11.
Deus trabalha, hoje, sozinho. Nunca mais aceitou braços direitos. Tudo indica, porém que, quanto mais não seja por piada ou, então, porque a burocracia se instalou irreversivelmente, continue a baralhar as peças, a promover encontros falsos, impossíveis, e a semear ligações perigosas!
sábado, dezembro 23, 2006
AS BOAS SURPRESAS SÃO SEMPRE POSSÍVEIS
Para mim, que sou um imparável leitor e um constante re-leitor de Eça de Queirós, com quem tenho querido aprender a ironia, o humor, a escrita até, foi um momento saturado de melancolia, talvez de angústia, aquele em que descobri que o esgotara. Isto é: que poderia continuar a relê-lo, que iria certamente relê-lo pela vida fora, mas, morto que estava o escritor, completada que estava a obra, não me tornaria a ser dado o prazer de abrir pela primeira vez mais algum livro da sua autoria.
E era com nostalgia que me recordava de como, há uns quantos anos, quando já pensava tê-lo esgotado (quando senti esse primeiro baque), viria a descobrir, com uma surpresa encantada, que, afinal, nunca tinha lido, vá-se lá saber porquê, um seu texto fundamental: nada mais nada menos do que o delicioso A Capital.
Lembro-me da alegria com que o comprei na fnac, a impaciência com que corri para casa com ele num saco cor-de-laranja, o leve receio da desilusão, o gosto com que me detive na capa trivial, igual a todas as capas da sua obra, a tremente curiosidade com que fui mergulhando, passando as páginas, soltando-me do nervosismo, fruindo, reencontrando o meu Eça de sempre...
Mas, para uma suspresa dessas, não há bis. Era já bem bom que me tivesse caído do céu essa breve suspensão do destino, esse admirável adiamento do fecho. Lido A Capital, agora sim, esgotara realmente o meu querido autor...
Isto, se não mencionar, claro, um outro texto seu, que nunca me interessara, que me tinham oferecido há uns Natais mas eu nunca quisera sequer iniciar: A Tragédia da Rua das Flores, de que tão mal ouvira falar. Que era um rascunho, um borrão, uma coisa menoríssima, com repetições, contradições, personagens cujo nome não se conserva ao longo das páginas, absurdos vários!
Foi só por descargo de consciência, ou em busca de um substituto, mesmo menor, para um vício arreigado, que, por estes dias, me debrucei, contudo, sobre a «Tragédia». E, caramba, não faço mais suspense - lá estava o Eça: sob as debilidades de uma obra que o autor não levara muito a sério, que deixara para trás, ao abandono, enjeitada, ali se erguia e brilhava, e se ergue!, e brilha!, tudo o que nele me entusiasma, me apura o espírito crítico, me afina o sarcasmo.
Ando, pois, a ler, repimpadíssimo, como diria o próprio Eça, A Tragédia da Rua das Flores.
Este post pode servir para uma ou duas coisas: a) aconselhá-lo vivamente a quem tenha passado pela mesma nostalgia de «haver esgotado um autor que já não volta a escrever», a quem, por coincidência, este livro passasse, também, ao lado; b) acrescentar, como nota natalícia, este optimismo moral: às vezes, por impossível que pareça, mesmo o prazer que não voltará de certeza, pode voltar... (e, até, mais do que uma vez!)
Bom Natal!
E era com nostalgia que me recordava de como, há uns quantos anos, quando já pensava tê-lo esgotado (quando senti esse primeiro baque), viria a descobrir, com uma surpresa encantada, que, afinal, nunca tinha lido, vá-se lá saber porquê, um seu texto fundamental: nada mais nada menos do que o delicioso A Capital.
Lembro-me da alegria com que o comprei na fnac, a impaciência com que corri para casa com ele num saco cor-de-laranja, o leve receio da desilusão, o gosto com que me detive na capa trivial, igual a todas as capas da sua obra, a tremente curiosidade com que fui mergulhando, passando as páginas, soltando-me do nervosismo, fruindo, reencontrando o meu Eça de sempre...
Mas, para uma suspresa dessas, não há bis. Era já bem bom que me tivesse caído do céu essa breve suspensão do destino, esse admirável adiamento do fecho. Lido A Capital, agora sim, esgotara realmente o meu querido autor...
Isto, se não mencionar, claro, um outro texto seu, que nunca me interessara, que me tinham oferecido há uns Natais mas eu nunca quisera sequer iniciar: A Tragédia da Rua das Flores, de que tão mal ouvira falar. Que era um rascunho, um borrão, uma coisa menoríssima, com repetições, contradições, personagens cujo nome não se conserva ao longo das páginas, absurdos vários!
Foi só por descargo de consciência, ou em busca de um substituto, mesmo menor, para um vício arreigado, que, por estes dias, me debrucei, contudo, sobre a «Tragédia». E, caramba, não faço mais suspense - lá estava o Eça: sob as debilidades de uma obra que o autor não levara muito a sério, que deixara para trás, ao abandono, enjeitada, ali se erguia e brilhava, e se ergue!, e brilha!, tudo o que nele me entusiasma, me apura o espírito crítico, me afina o sarcasmo.
Ando, pois, a ler, repimpadíssimo, como diria o próprio Eça, A Tragédia da Rua das Flores.
Este post pode servir para uma ou duas coisas: a) aconselhá-lo vivamente a quem tenha passado pela mesma nostalgia de «haver esgotado um autor que já não volta a escrever», a quem, por coincidência, este livro passasse, também, ao lado; b) acrescentar, como nota natalícia, este optimismo moral: às vezes, por impossível que pareça, mesmo o prazer que não voltará de certeza, pode voltar... (e, até, mais do que uma vez!)
Bom Natal!
sexta-feira, dezembro 22, 2006
UM REGULAMENTO INTERNO A PENSAR NAQUILO COM QUE SE COMPRAM OS MELÕES
A minha filha, pobre garota, anda num infantário. Para que não subsistam dúvidas, escrevo-lhe já o nome: Colégio D. João de Castro.
O Colégio D. João de Castro tem um Regulamento Interno, o que é louvável.
Do Regulamento Interno do Colégio D. João de Castro, respigo uns quantos excertos:
«A todas as crianças que permaneçam no Colégio após a hora do fecho, será cobrado o valor de 10 Euros diários, por cada fracção de quinze minutos, de prolongamento.»
«Os Passeios e Colónia têm carácter obrigatório, pelo seu acentuado valor pedagógico [nem nos passava pela cabeça que fosse por outra razão], estão integrados no Plano Anual de Actividades e serão avisados com 8 dias de atecedência, o seu pagamento terá que ser feito na respectiva sala ou secretaria. As crianças que não forem aos Passeios ou Colónia não poderão frequentar o Colégio. A colónia [repentinamente com minúscula] realiza-se na 2ª quinzena de Junho e terá um custo de 75 euros [agora com minúscula, também]»
«Os pagamentos das mensalidades devem ser efectuados na secretaria ou na sala por adiantado, entre os dias 28 e 5 de cada mês. Após o prazo estipulado será cobrada uma taxa diária de 10 euros.»
«Todos os Encarregados de Educação estão obrigados ao pagamento de 12 mensalidades, no valor de 285 euros, quer o aluno frequente ou não o Colégio [como???], com a excepção do berçário [de onde expulsaram rapidamente a minha filha, com catorze meses] que poderá optar pela mensalidade sem alimentação, no valor de 255 euros, sendo o mês de Agosto repartido pelos meses de Outubro, Novembro, Dezembro, no valor de 95 euros.»
«Só serão aceites desistências com aviso prévio de um mês, sem o que terá que pagar a próxima mensalidade. Não serão aceites desistências a partir do mês de Maio inclusivé.»
«A Inscrição/Renovação e Seguro serão pagos e não serão devolvidos em caso algum. O seguro [bruscamente, com minúscula] é pago em Setembro e a renovação em Março, às crianças que não renovam a matrícula, é cobrado oo mês de Julho fraccionado pelos meses de Abril e Maio.»
«Será cobrado trimestralmente o valor de 15 euros para desgaste de material didáctico, nos meses de Outubro, Janeiro, Abril.»
«As desistências dos Passeios e Colónias de férias depois de pagos não serão reemblsados em caso algum [ou seja, mais vale não pagar!]»
«O uso da farda, bibe e chapéu são obrigatórios, de uso diário e custeados pelos pais [que os deverão comprar no «Corte Inglês»]
«Todas as crianças poderão ter uma falta mensal de fardamento [obrigado, obrigado, obrigado!], quando ultrapassada essa falta, poderá a direcção do Colégio vestir a peça em falta e debitá-la no recibo do mês seguinte.»
Nunca vi um Regulamento Interno assim. Nunca nenhum documento me pareceu tão óbvio na intenção exclusiva de planear a mínima forma de fazer dinheiro. Sobretudo, não me lembro de haver lido algum outro conjunto de regras de um estabelecimento de educação de crianças, privado ou público, que assumisse, tão escandalosamente, essa exclusiva inclinação economicista.
Poderão perguntar-me: Por que mantém então o senhor, que está assim tão zangado, a sua filha neste colégio?
Como essa pergunta só poderia ser-me dirigida por parte de quem não tem crianças em infantários, nem faz a menor ideia da luta vã por uma vaga, eu escuso-me de responder. Não iriam acreditar em mim.
O Colégio D. João de Castro tem um Regulamento Interno, o que é louvável.
Do Regulamento Interno do Colégio D. João de Castro, respigo uns quantos excertos:
«A todas as crianças que permaneçam no Colégio após a hora do fecho, será cobrado o valor de 10 Euros diários, por cada fracção de quinze minutos, de prolongamento.»
«Os Passeios e Colónia têm carácter obrigatório, pelo seu acentuado valor pedagógico [nem nos passava pela cabeça que fosse por outra razão], estão integrados no Plano Anual de Actividades e serão avisados com 8 dias de atecedência, o seu pagamento terá que ser feito na respectiva sala ou secretaria. As crianças que não forem aos Passeios ou Colónia não poderão frequentar o Colégio. A colónia [repentinamente com minúscula] realiza-se na 2ª quinzena de Junho e terá um custo de 75 euros [agora com minúscula, também]»
«Os pagamentos das mensalidades devem ser efectuados na secretaria ou na sala por adiantado, entre os dias 28 e 5 de cada mês. Após o prazo estipulado será cobrada uma taxa diária de 10 euros.»
«Todos os Encarregados de Educação estão obrigados ao pagamento de 12 mensalidades, no valor de 285 euros, quer o aluno frequente ou não o Colégio [como???], com a excepção do berçário [de onde expulsaram rapidamente a minha filha, com catorze meses] que poderá optar pela mensalidade sem alimentação, no valor de 255 euros, sendo o mês de Agosto repartido pelos meses de Outubro, Novembro, Dezembro, no valor de 95 euros.»
«Só serão aceites desistências com aviso prévio de um mês, sem o que terá que pagar a próxima mensalidade. Não serão aceites desistências a partir do mês de Maio inclusivé.»
«A Inscrição/Renovação e Seguro serão pagos e não serão devolvidos em caso algum. O seguro [bruscamente, com minúscula] é pago em Setembro e a renovação em Março, às crianças que não renovam a matrícula, é cobrado oo mês de Julho fraccionado pelos meses de Abril e Maio.»
«Será cobrado trimestralmente o valor de 15 euros para desgaste de material didáctico, nos meses de Outubro, Janeiro, Abril.»
«As desistências dos Passeios e Colónias de férias depois de pagos não serão reemblsados em caso algum [ou seja, mais vale não pagar!]»
«O uso da farda, bibe e chapéu são obrigatórios, de uso diário e custeados pelos pais [que os deverão comprar no «Corte Inglês»]
«Todas as crianças poderão ter uma falta mensal de fardamento [obrigado, obrigado, obrigado!], quando ultrapassada essa falta, poderá a direcção do Colégio vestir a peça em falta e debitá-la no recibo do mês seguinte.»
Nunca vi um Regulamento Interno assim. Nunca nenhum documento me pareceu tão óbvio na intenção exclusiva de planear a mínima forma de fazer dinheiro. Sobretudo, não me lembro de haver lido algum outro conjunto de regras de um estabelecimento de educação de crianças, privado ou público, que assumisse, tão escandalosamente, essa exclusiva inclinação economicista.
Poderão perguntar-me: Por que mantém então o senhor, que está assim tão zangado, a sua filha neste colégio?
Como essa pergunta só poderia ser-me dirigida por parte de quem não tem crianças em infantários, nem faz a menor ideia da luta vã por uma vaga, eu escuso-me de responder. Não iriam acreditar em mim.
sábado, dezembro 02, 2006
A CADERNETA ESCOLAR
Existe, até ao 9º ano, uma instituição que deveria garantir a ligação entre os professores e os encarregados de educação, que é a caderneta.
A caderneta, como não poderia deixar de escrever se isto fosse uma redacção virtuosa, é muito útil; tal como a vaca nos dá o leite, a caderneta permite-nos acompanhar de perto o desempenho dos nossos filhos, de forma a que os possamos corrigir e ajudar...
Sejamos sérios: a caderneta funciona, pelo que tenho visto, como uma espécie de bode expiatório, isto é, uma forma de os professores (os mesmos que detestam sentir os pais demasiado próximos, vasculhando e vigiando), poderem, de vez em quando, atirar-lhes com as culpas da sua própria incompetência: «O Manuel não tem feito os trabalhos de casa», «O João anda muito desatento e conversador nas aulas», «O Paulo deverá estudar», ou aquela pérola, pela mão do professor de EVT do meu próprio rebento, «Fulano tem tido atitudes impropriadas nas aulas». Impropriadas, escreve-me o professor do meu filho - ao que me apetecia responder: Bolas! Mesmo tratando-se de um professor de EVT... (no que estaria sendo injusto e preconceituoso).
Sabemos que os pais podem e devem acompanhar os filhos no seu trabalho de casa, como sabemos que nem sempre isso é possível porque, desde pais que não têm habilitação para o efeito até aos que não têm tempo, a situação dos alunos nem sempre pode ser solucionada em casa. Não querem os professores preservar a sua independência? Não se queixam de que os pais não são aptos para os avaliarem? Então porque recorrem tão frequentemente a eles e, aqui é que bate o ponto, tão arrogantemente, como quem lhes diz: Já viu bem a prenda que produziu? Veja lá se consegue fazer qualquer coisa com ele porque nós, professores, aqui, só vamos é depois avaliar...!
De algum modo, a caderneta transformou-se num instrumento de registo de males, de erros e inabilidades do aluno, uma selecção de depreciações. Se pensamos em como é pedagogicamente importante o reforço positivo, espantamo-nos de que tal elemento de ligação casa-escola nunca sirva para apreciar positivamente, para registar progressos e melhorias, parabéns, incentivos.
A caderneta do meu filho é um dos meus pesadelos. Sonho que me persegue. Quando espero pelo miudo à porta da escola e o vejo, com a caderneta meio escondida atrás das costas, lágrimas no rosto, já sei que temos drama.
Por mim, abomino a caderneta.
A caderneta, como não poderia deixar de escrever se isto fosse uma redacção virtuosa, é muito útil; tal como a vaca nos dá o leite, a caderneta permite-nos acompanhar de perto o desempenho dos nossos filhos, de forma a que os possamos corrigir e ajudar...
Sejamos sérios: a caderneta funciona, pelo que tenho visto, como uma espécie de bode expiatório, isto é, uma forma de os professores (os mesmos que detestam sentir os pais demasiado próximos, vasculhando e vigiando), poderem, de vez em quando, atirar-lhes com as culpas da sua própria incompetência: «O Manuel não tem feito os trabalhos de casa», «O João anda muito desatento e conversador nas aulas», «O Paulo deverá estudar», ou aquela pérola, pela mão do professor de EVT do meu próprio rebento, «Fulano tem tido atitudes impropriadas nas aulas». Impropriadas, escreve-me o professor do meu filho - ao que me apetecia responder: Bolas! Mesmo tratando-se de um professor de EVT... (no que estaria sendo injusto e preconceituoso).
Sabemos que os pais podem e devem acompanhar os filhos no seu trabalho de casa, como sabemos que nem sempre isso é possível porque, desde pais que não têm habilitação para o efeito até aos que não têm tempo, a situação dos alunos nem sempre pode ser solucionada em casa. Não querem os professores preservar a sua independência? Não se queixam de que os pais não são aptos para os avaliarem? Então porque recorrem tão frequentemente a eles e, aqui é que bate o ponto, tão arrogantemente, como quem lhes diz: Já viu bem a prenda que produziu? Veja lá se consegue fazer qualquer coisa com ele porque nós, professores, aqui, só vamos é depois avaliar...!
De algum modo, a caderneta transformou-se num instrumento de registo de males, de erros e inabilidades do aluno, uma selecção de depreciações. Se pensamos em como é pedagogicamente importante o reforço positivo, espantamo-nos de que tal elemento de ligação casa-escola nunca sirva para apreciar positivamente, para registar progressos e melhorias, parabéns, incentivos.
A caderneta do meu filho é um dos meus pesadelos. Sonho que me persegue. Quando espero pelo miudo à porta da escola e o vejo, com a caderneta meio escondida atrás das costas, lágrimas no rosto, já sei que temos drama.
Por mim, abomino a caderneta.
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