terça-feira, janeiro 09, 2007

ASSUMIR A ESCOLHA SIGNIFICA: NÃO SIMPLIFICÁ-LA

A verdade é sempre revolucionária, asseverava Gramsci. Não sei se o é. Sou, aliás, tão mais limitado, que começo por não saber o que seja «a verdade». Às vezes, permito-me desconfiar que esteja ao meu alcance; permito-me farejá-la: percebo, suspeito que não andará longe. Mas, imediatamente a seguir, posso duvidar. Não metodicamente - não há, nesta dúvida, razões de método, só mesmo uma tremenda insegurança...

Agora, custa-me, isso sim, que a «minha» verdade - ainda que momentânea - tenha de ser rodeada, ou retocada, ou calada, em nome seja do que for. Em nome de razões políticas, de virtude, de correcção ou de oportunidade. Detesto as razões de oportunidade ou conveniência. Detesto que argumentem: «Talvez até seja verdade, mas este não é o momento certo para a divulgar, para a mencionar sequer...!»

É o caso. Eu, que vou votar «Sim» neste referendo, eu, que já fiz mesmo um aborto - na medida em que partilho inteira e completamente a responsabilidade do aborto decidido e feito, em conjunto, pela mulher que engravidei e por mim próprio -, eu, que seria de uma hipocrisia sem precedentes se me abstivesse e ficasse a assobiar para o lado, não posso deixar, contudo, de expor a «minha» verdade: e a «minha» verdade é que me dói e custa, como talvez nenhum outro, a assunção deste acto, desta cruz que irei marcar no boletim.

Não tenho escolha: eu que abortei porque não poderia não ter abortado, que conheço as razões por que o fazem milhares de mulheres, e as circunstâncias em que o fazem, eu que não aceito - nem posso aceitar - que as persigam e punam por essa escolha tantas vezes trágica, não posso deixar de levar coerentemente a minha solidariedade até ao limite. Mas não me queiram convencer de que não faz mal; não me queiram convencer de que é outra coisa que não o mal menor - sendo que o mal menor, naturalmente, não é um bem: é, ainda, um mal. Não me queiram fazer esquecer que estou a lidar com a vida. Com vidas. Nem queiram reduzir a vida fetal a uma não-vida. Não me digam que o aborto não é, na melhor das hipóteses, um défice civilizacional e um défice moral. (Como o é - de um modo pior, e mais grave -, uma lei que não permita essa escolha, como se a escolha não fosse, em si mesma, complexa e terrível).

Não queiram simplificar as coisas, porque não seria digno. Nem sério.

Será que eu não devia afirmá-lo «agora»? Que, sobretudo, não neste momento? Que Devia fazê-lo só depois do referendo? Ah! Mas não consigo ser maniqueista. Nem fingir que o sou por razões de conveniência. Vou votar «Sim». Mas este voto a que não tenho o direito de fugir, por razões morais, precisamente, é um voto que me dilacera. Por razões morais, também: precisamente.

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