quinta-feira, abril 05, 2007

MAUS ALUNOS E BOAS ALUNAS

Os rapazes e as raparigas da escolaridade obrigatória ou, em resumo, os meninos e as meninas pré-adolescentes e adolescentes são, psicologicamente, muito diferenciáveis. Não só devido a factores de ordem biológica, não só devido a factores de ordem sócio-cultural, mas por uma complexa e intrincadíssima rede de causas orgânicas e educacionais. E os rapazes, que amadurecem com um ritmo próprio (porque desenvolvem aptidões próprias), quer a nível cognitivo, quer a nível afectivo, quer a nível comportamental, estão, por efeito dessas diferenças, destinados a ser os patinhos feios da escola.
O que as instituições do ensino público privilegiam ou, por outras palavras, o que é valorizado pela «escola pública», herdada, no fundo, de um sistema autoritário, apesar de sucessivas e, muitas vezes, caóticas remodelações, é um tipo de «bom aluno» feminino; é um modelo de aluno que só poderia ser uma menina: atenta, tranquila, trabalhadora, cumpridora. Nessas idades, os rapazes dificilmente conseguem corresponder a esse modelo. O seu desenvolvimento é outro, o seu ritmo é diferente - e, em tudo isto, não me parece obra do acaso que as «dislexias», as «hiperactividades» e outras disfunções deste género sejam, em geral, muito mais problemas «masculinos» do que «femininos».
Pergunto-me, diante das minhas turmas, se, de algum modo, os rapazes não são todos, todos eles, naquelas idades, hiperactivos, ou seja, adolescentes incapazes de se concentrar, a não ser parcial e episodicamente, incapazes de se abrir a outrem, incapazes da escuta, ou, simplesmente, de permanecer em silêncio durante muito tempo.
Num regime autoritário, numa escola «à antiga», poderiam sê-lo, naturalmente: estamos a falar da escola salazarista, que molda e modela, que pune e castra. Na escola pós-25 de Abril, em que, por um lado, as relações hierárquicas se modificaram e os valores são, necessariamente, outros (em que, por exemplo, se perdeu o medo em face do poder), mas em que, por outro lado, as expectativas e os critérios dos professores para decidir o que é um «bom aluno» se mantêm inalterados, os rapazes estão em desvantagem.
O sistema não premeia rapazes demasiado rapazes. Não está feito para isso. Varre-os para debaixo do tapete.
O sistema não está preparado para «aturar» outras formas, outros ritmos, outros amadurecimentos, sobretudo se dão maçada aos professores, nem outros interesses, nem um outro tipo de criatividade (que é tipicamente masculina, o que não significa, COMO É EVIDENTE, que não haja uma criatividade feminina) nem uma outra maneira de aprender.
Em termos competitivos (porque o sistema engendra e vive, necessariamente, de uma competição), os rapazes já perderam: os meninos-alunos depreciam-se, não acreditam nas suas capacidades e assumem, à falta de outras saídas, o papel do arruaceiro, do mau aluno orgulhoso de o ser. Abandonam. Só uma minoria - cada vez mais uma minoria - alcança a faculdade.
Os rapazes perderam. O sistema, um sistema que exclui e varre, um sistema feito à medida de um único género, também já perdeu...

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