quinta-feira, abril 12, 2007

UM VULCÃO EM ACTIVIDADE NA ESCOLA

Não planeara participar, com uma turma de dez ou onze alunos, naquela comunicação/debate acerca de imigração. Tratou-se de um convite de última hora e, por «última hora», refiro o intervalo imediatamente anterior ao encontro. Mas porque o momento é, na vida do país, crucial para uma reflexão acerca da imigração e porque a minha pequena turma é constituída, precisamente, por pessoas originárias de Cabo-Verde, Angola e Timor, pareceu-me criminoso perder a oportunidade.

Naturalmente, o que se espera de um encontro deste tipo é, num certo sentido, relativamente pouco e relativamente pobre. Algumas banalidades e algumas ideias feitas, boas intenções e palavras virtuosas, ou seja, o desfiar da habitual cartilha de lugares-comuns «politicamente correctos».

Contudo, o que aconteceu foi outra coisa.

A moderadora, Cristina, muito jovem, que se preparara, talvez, para esse género de conferência «politicamente correcta», virtuosa e moralizadora acerca dos imigrantes, viu-se, bruscamente, confrontada com um vulcão. Natasha, imigrada da ex-Jugoslávia, mãe de duas alunas da escola, esteve presente: entrara tarde, irrompendo e interrompendo exuberantemente, provocando gargalhadas mas, em pouco tempo, conquistando o auditório, intervindo, questionando sistematicamente, interpelando, discordando. E o mais interessante de tudo foi que Cristina que, demasiado jovem, poderia ter-se desequilibrado perante aquela torrente, ou manifestar incómodo, ou remetê-la para o silêncio, soube, pelo contrário e, de facto, brilhantemente, estabelecer o diálogo enriquecedor, aproveitar-lhe as intervenções, criar-lhe o palco, desafiá-la para contar a própria história, para rememorar a própria experiência, as dificuldades com que se debateu num país estranho, a solidão, a saudade.

Natasha fê-lo com um à-vontade e um brilho intensos, com uma luminosidade inenarrável, no seu português desinibido e carregado.
Os mesmos alunos que, como já é hábito, teriam inicialmente a intenção de boicotar a «seca» que se lhes impunha, rindo e brincando a despropósito, calavam-se, estranhamente, muito atentos, tentando seguir a história dramatizada por aquela mulher, aquela actriz fantástica, história que nos rebentava diante dos olhos, num misto de tristeza, de alegria, de humor. Cristina, a sua interlocutora principal, apoiava-a, estimulava-a; ora falava, informando, adiantando dados, ora se retirava, tranquilamente, sem temer que lhe roubassem o protagonismo, delicada, revelando o raro e discreto génio de fazer sobressair os outros, ao invés de querer sobressair a qualquer preço.

Os alunos conversaram, perguntaram, intervieram, Cristina fez ainda ouvir a voz gravada de uma imigrada Cabo-Verdiana, escutada num silêncio religioso, Natasha deu receitas da sua terra e quis ensinar a dançar...

Não diria que foi «informativo», nem «interessante», que também foi; preferiria um adjectivo inabitual para um evento desta natureza: foi belo, foi tudo muito belo; e comovente.

Natasha, que eu já vira representar noutra ocasião, tem sempre o poder, que me embaraça, evidentemente, de me deixar os olhos marejados. É vergonhoso, sobretudo em público e, ainda mais, tratando-se de mim, cultor do cepticismo, da ironia, do sarcasmo e de outras formas de descrença cruel e de pessimismo militante. (Claro, posso usar a velha desculpa: Entrou-me qualquer coisa para o olho...!)

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