terça-feira, agosto 07, 2007

COLECÇÃO JOE BERARDO NO CCB: UM PROJECTO SUICIDA

Deixem-me principiar por explicar o título deste meu «post».
O que, em relação à colecção Joe Berardo, se revelou um projecto suicida, foi a peregrina ideia de a visitar em família, ou seja, com uma mulher esgotada pelo facto de terem começado as suas férias, um adolescente de doze anos, misto de homem-aranha e de incrível Hulk, todo ele energia duendia à solta (quer dizer, uma energia de duende, instável, desequilibrada, magnífica) e uma criança de vinte e dois ou vinte e três meses...

Num episódio destes radica todo o surrealismo, a génese do próprio surrealismo, tão caro a Berardo: um pai de óculos, barba por fazer, calções e pernas muito brancas, norteado pela bizarra ideia de interessar a família em pintura, fotografia e escultura; uma mãe que se arrasta, ansiosa por que as recém-iniciadas férias acabem e ela possa regressar depressa à paz do seu serviço; um garoto que, de toda a colecção, se fixou para todo o sempre na escultura de um homem e uma mulher nus, no chão, deitados um sobre o outro; uma bebé gritando, não querendo sair de um rectângulo mais saliente do chão (que foi a única peça que, aliás, interessou a esta exigente crítica de Arte), insistindo em mexer nas obras - nomeadamente numa corda estendida no chão entre dois caixotes... que devo confessar que já não se encontra exactamente na mesma posição em que a vimos quando chegámos: será ainda uma obra de Arte? Uma instalação? Com o mesmo sentido, o mesmo significado, o mesmo desígnio, depois das ligeiras alterações promovidas por uma bebé irrequieta...?

O meu filho fazia, entretanto, cenas de ciumes porque a irmã não o abraçava; a irmã berrava almadamente (ou seja, com toda a sua alma, e não, como se diz, «desalmadamente»); depois, o Duarte aproximava-se de mim, segredava-me, excitadíssimo, lembrando-se do casal nu: «Mas ele não estava com a pila dentro dela, porquê? Não era para estar?» - e queria voltar atrás, e zangava-se com a irmã, e a irmã com ele.
Os seguranças seguiam-nos, num cordão apertado, atento, como se fossemos os ladrões do «Grito», detectados ali. Um deles, muito alto, muito negro, ria-se de tudo aquilo, com uns dentes a brilhar, enormes, alvíssimos. Os outros não riam. Preocupavam-se. Eu sentia que incomodávamos os demais casais, os velhinhos, os visitantes, a todos menos ao segurança negro de dentes brancos, que se divertia com o espectáculo...

O surrealismo, de que a nossa família nasceu, e que nasceu certamente, enquanto corrente artística, de um episódio como esta nossa visita, misturando o quotidiano com o onírico, o normal com o anormal, o bizarro e o impossível, nunca perece. Já nas salas de cima, desculpem-me, a pop-Art cansa, com as suas colagens, a sua confusão entre realismo e banda desenhada...
É a análise possível. Porque, mais à frente, a minha filha se prepara para subir a uma instalação.
Enquanto o meu filho volta à carga, de mãos nos bolsos:
«Mas ela tinha pêlos no pipi?»

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