Interrompo as minhas férias bloguianas para vos contar um episódio, não porque receie esquecê-lo depois - Ah, estou seguro de que nunca o esquecerei... -, mas para me não engasgar com ele.
Nestas férias complicadas, em que minha mulher continua trabalhando e, portanto, me cabe tomar conta dos meus filhos, multiplicando programas que, ao mesmo tempo, sejam baratos e os sosseguem por uns minutos, chego à sexta-feira em bastante mau estado. Cabelo em pé, barba por fazer, olhos encovados. Moscas gravitando.
A minha mulher vê-me, nesta sexta, em condições tão impróprias, que me convida a ir com ela arejar, jantar fora.
«Onde deixamos os miudos?», pergunto imediatamente.
Os olhos faiscam-lhe de raiva. Temos a nossa primeira discussão da noite. Os miudos vêm. É claro.
Seguimos no automóvel, eu ao volante mas cumprindo indicações precisas. Surge a ideia que nos reconcilia a todos: vamos à marina de Oeiras. Espaço, ar fresco, distracções...
Pomos o carro no parque. Seguimos a pé sobre o passadiço de madeira. Brincamos. Estamos todos mais leves. Dirigimo-nos para um restaurante com música ao vivo, quer dizer, onde, cá fora, sobre uma banqueta, um retornado de cabelo penteado em estilo afro, como o Pacman, e também de calções aliás, entoa umas brasileiradas ao som da sua viola.
A Daisy está, entretanto, eufórica. Sentamo-nos a uma mesa da esplanada. Ela não quer. O meu filho repara, discretamente - e pela primeira vez, pelos vistos - que traz as unhas compridas e debruadas a negro. Exige, de repente, um corta-unhas.
Os demais clientes, que gozavam a música brasileira, principiam a olhar para nós. Um casal que degusta vinho verde olha-nos fixamente.
O cantor continua:
«Veja que coisa mais linda, mais cheia de vida, lalala, lalala...»
Daisy salta rapidamente da cadeira onde liricamente a quiséramos sentar, empurra pernas e pés, pisa sandálias, aproxima-se lestamente do cantor, «Gosto muito dji você, leãozinho, parari pararará», que, com um olhar nervoso, não tira os olhos dela, enganando-se numa nota.
Corro a buscar Daisy. Pego-a ao colo. Inicia um espeneanço fantástico, berrando mais alto do que o Pacman brasileiro, que esganiça para tentar fazer-se ouvir, «Lhe dourando a peli...»
«Não tens um corta-unhas, mãe?», pergunta o outro.
Conferenciamos rapidamente. Ali não é possível. E se fôssemos para dentro do restaurante? Escuro, sorumbático, tem, no entanto, a vantagem de apresentar todas as mesas completa e convidativamente vazias...
Entramos. Ao longe, a voz do clone brasileiro do Pacman chega-me aos ouvidos, com uma nítida nota de alívio: «É um barrquinho a navegá, no macio azul do má...»
Lá dentro, tentando segurar a doce Daisy, embato num estranho sistema de floreados de vidro, borboletas e pássaros pendentes do tecto, até à altura precisa da minha cabeça. Queixo-me. Daisy aproveita-se da distracção e zarpa lá para fora: oiço a voz estrangulada do Pacmanzinho. Chega-me um «ai!» que não sei se faz parte da música...
Dirijo-me para fora, furando, meio atordoado, pelo emaranhado de mobiles frágeis e coloridos, ruidosos e aguçados. A minha mulher pergunta-me: «O que é que queres comer!?» - e eu respondo, com um esgar sarcástico: «Veneno!»
Saio, no preciso instante em que vejo uma rapariga de longos cabelos encher a mesa de entradas, azeitonas, carnes frias, queijos...
A minha mulher recebe nas mãos uma ementa enorme - perceberei mais tarde que é o tamanho necessário para lá caberem os preços que apresenta.
Pego, um pouco brutalmente, é verdade, em Daisy que, sentadinha no chão, coitada, se limitava a aplaudir o Pacmanzinho.
Reentro, com Daisy esperneando, no momento exacto em que posso ouvir minha mulher, pegando na mala, para a rapariga que se afadiga a preencher-nos a mesa com acepipes:
- Não, deixe estar, nós vamos embora; ela está muito agitada - e, ao dizer «ela», aponta, com o queixo, Daisy, a qual, esperneando-me entre os braços, me faz acompanhar a música do Pacmanzinho com uns quantos «tlins» produzidos pela cabeça contra uma sucessão de borboletas e flores cor-de-rosa que me esperam, ameaçadoras, do tecto. - Vamos embora, não se preocupe. Era afugentar o resto da clentela...
Percebo que, no fundo, com esta desculpa, a minha mulher, que estivera examinando os preços incomportáveis, encontra o pretexto adequado para desaparecermos dali.
Dirigimo-nos, cabisbaixos, para o carro. O miudo, porque ninguém lhe forneceu um corta-unhas. Ou, alternativamente, uma prancha de surf, porque parece que havia uma loja aberta...
Sentamo-nos.
- Ainda há massa em casa, não há?
Vamos jantar a casa...
sexta-feira, agosto 08, 2008
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1 comentário:
Juro que, quando escrevi o último comentário, não tinha lido este post: estamos em perfeita sintonia no mar das desventuras estivais !...
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