Com as ineptas tentativas de simplificação de um modelo abstruso e inexequível, o ministério consegue, quanto mais não seja, que os Encarregados de Educação, alguns professores, até, e os portugueses em geral principiem a interrogar-se acerca da classe docente: «O quê?! Ainda não ficaram satisfeitos? Mas então que mais querem? Ora bem, esta cambada não se vai deixar mesmo é avaliar...!»
O problema, naturalmente, é que um modelo tem de ser visto como uma estrutura global, informada por determinados pressupostos e contendo uma filosofia subjacente. Quando é esse conjunto, com os seus supostos pedagógicos e éticos, que está sendo contestado, quaisquer ajustamentos, modificações, simplificaçãozinhas só poderão falhar o essencial, tornando o todo, ao mesmo tempo, um monstro híbrido e descaracterizado, um instrumento coxo e esvaziado.
Este paradigma, para falar à moda - que é já antiga, assombrando-nos desde, pelo menos, que Kuhn a lançou, mas enfim...! - este paradigma está errado na sua essência.
Por um lado, como é óbvio, é errado porque avaliar o trabalho docente segundo objectivos quantificáveis revela-se um disparate. E, como todos os disparates, de uma arbitrariedade absoluta. Estabeleço o «objectivo» de realizar «pelo menos» duas actividades ligadas ao cinema? E se conseguir realizar as duas previstas sou «Bom» - tenham sido elas, na prática, a cagada que forem...? Se tiver realizado três ou quatro - superei o objectivo, tornando-me «Muito Bom» ou «Excelente», ainda que hajam sido exercícios de puro folclore?
(Será que, por essa ordem de ideias, analogamente, do «número» de vezes que, numa sessão, eu retome o acto sexual, é que depende a avaliação da qualidade da minha prestação na cama? «Três? A sério?! És boooom! Quatro? Uau! Que fera!»)
Por outro lado, note-se o absurdo da forma como se prevê o que seja uma aula assistida. Não sou contra a ideia de que venham observar as minhas aulas. Terei muito gosto, se quiserem fazer-me uma visita. Mas porquê três? Que saberão sobre as minhas reais capacidades como professor vindo assistir a três aulas previamente marcadas, que eu hei-de seguramente preparar de um modo atípico, que não revela o que faço e como faço habitualmente?
Dir-me-ão: «Mas aí está precisamente algo de que a ministra precindiu».
Ora, em primeiro lugar não, não prescindiu - não, se eu estiver a apontar para o Muito Bom ou Excelente. Nesse caso, devo chegar-me à frente para que mas venham observar. E já viram as reacções dos meus colegas em face de um tal requerimento, de um tal pedido meu? «Olha, olha, olha aquele a querer fazer-se ao Excelente! Ehehehe! Eu sempre disse que o gajo tem a mania que é o máximo. (Mas olha, na cama, digo-te eu, não vai além de uma vez de cada vez. Coitado!...»). Por outro lado, afirmando «Quem se contente com o «Bom» não tem de se incomodar, deixe-se estar», no quadro deste modelo, ou seja, mantendo-se o paradigma, estamos a colocar-nos ao nível do Jardim, que manda todos os professores madeirenses para casa com uma espécie de «Bom» administrativo...
Finalmente, sempre disse (e, aí, sem qualquer originalidade, mas completamente em sintonia com o discurso dos sindicatos), que a divisão dos professores em Titulares e Meros Professores, e a consequente decisão de que de entre os titulares deverão, digamos, sair os avaliadores dos outros titulares e dos não-titulares, entre pares de profissionais que tomam café juntos, se cruzam todos os dias, formando simpatias e antipatias, amizades, cumplicidades, inimizades, é de uma tão elementar estupidez, que custa ver como não foi já compreendida... caramba... até por aquele senhor de permanente encaracolada, livra!, ou mesmo pelo outro que não pode fazer qualquer tipo de permanente... (Estou a descambar para uma argumentação ad hominem? Pois é. Mas deixem-me então refazer: Custa aceitar que esta estupidez não tenha sido compreendida até pela ministra, mesmo com as suas notórias limitações. Como ela não é um homem, julgo que já não se pode chamar a isto argumento ad hominem... ou sim?! Huuum...!)
sexta-feira, novembro 28, 2008
terça-feira, novembro 25, 2008
UM ESPECTÁCULO PENOSO
Depois do pedaço que suportei do último Prós e Contras, sobre a avaliação do desempenho dos docentes, quedo-me a pensar, com alguma melancolia, sobre esta disjunção: ou, de facto, quando nos deparamos com programas destes, que juntam professores a falar, percebemos rapidamente como e quão, na generalidade, a nossa classe profissional é medíocre; ou, alternativamente, e por alguma razão que me escapa, devem convidar sempre os piores de entre nós, os mais atados e atabalhoados, os incorrigíveis senhores do dispararate.
E apetece perguntar: Então, realmente, não é justo submeter estes imbecis - e imbecis deste género - a uma qualquer avaliação?
Devo dizer - e com tristeza o digo, como professor de filosofia - que, nos últimos tempos, os ensinantes do Amor pelo Saber, esses, sobretudo, têm dado lições e espectáculos gratuitos de falta de senso (logo eles, que repetem, cartesianamente, que o «bom senso é a coisa mais bem distribuída neste mundo», numa ironia em que se procura deixar claro, pelo contrário, que só a eles coube a distinção de pensar bem). Mas é ver as embrulhadas, as falácias, os penosos exercícios de argumentação sem tom nem som, os erros formais e factuais que arrepiam os seus discursos (e arrepiam os tele-espectadores)...
Ponho-me no lugar de um Encarregado de Educação, de um cidadão anónimo, e grito para mim: Estes tipos não querem é mesmo ser avaliados!
Porque esta é a questão central, e não basta dizê-lo, nem repeti-lo: Nós queremos ser avaliados! - É preciso dar provas de que sim, e de como. É preciso desmontar as vozes que ecoam persistentemente nos nossos ouvidos e que, de Daniel Sampaio a Maria Filomena Mónica (já nem falo do Tavares e do Rangel, esses odiadores encartados dos docentes portugueses), insinuam que, no fundo, os professores constituem a mais fechada das corporações e que, no fundo, nunca verdadeiramente foram avaliados e que, no fundo, estão pouco desejosos de o serem.
Pensar pela própria cabeça é bom. Ser tutela de si mesmo é bom. Ser comité central do próprio espírito, liberta.
Saber o que se quer, procurar sempre saber o que realmente se quer e porquê, é indispensável.
E quando se não sabe, pensa-se melhor, antes de se aceitar o convite para ir ao Prós e Contras.
E apetece perguntar: Então, realmente, não é justo submeter estes imbecis - e imbecis deste género - a uma qualquer avaliação?
Devo dizer - e com tristeza o digo, como professor de filosofia - que, nos últimos tempos, os ensinantes do Amor pelo Saber, esses, sobretudo, têm dado lições e espectáculos gratuitos de falta de senso (logo eles, que repetem, cartesianamente, que o «bom senso é a coisa mais bem distribuída neste mundo», numa ironia em que se procura deixar claro, pelo contrário, que só a eles coube a distinção de pensar bem). Mas é ver as embrulhadas, as falácias, os penosos exercícios de argumentação sem tom nem som, os erros formais e factuais que arrepiam os seus discursos (e arrepiam os tele-espectadores)...
Ponho-me no lugar de um Encarregado de Educação, de um cidadão anónimo, e grito para mim: Estes tipos não querem é mesmo ser avaliados!
Porque esta é a questão central, e não basta dizê-lo, nem repeti-lo: Nós queremos ser avaliados! - É preciso dar provas de que sim, e de como. É preciso desmontar as vozes que ecoam persistentemente nos nossos ouvidos e que, de Daniel Sampaio a Maria Filomena Mónica (já nem falo do Tavares e do Rangel, esses odiadores encartados dos docentes portugueses), insinuam que, no fundo, os professores constituem a mais fechada das corporações e que, no fundo, nunca verdadeiramente foram avaliados e que, no fundo, estão pouco desejosos de o serem.
Pensar pela própria cabeça é bom. Ser tutela de si mesmo é bom. Ser comité central do próprio espírito, liberta.
Saber o que se quer, procurar sempre saber o que realmente se quer e porquê, é indispensável.
E quando se não sabe, pensa-se melhor, antes de se aceitar o convite para ir ao Prós e Contras.
segunda-feira, novembro 24, 2008
A SORTE GRANDE DE SÓCRATES
Instado a confessar se a indignação e as manifestações dos professores o faziam temer que ficasse definitivamente ameaçada a possibilidade de uma nova maioria absoluta do PS, o primeiro-ministro, senhor José Sócrates, respondeu: «Nós não governamos a pensar em maiorias absolutas».
Ora a isso é que eu chamo não ter medo das palavras. Porque, bem vistas as coisas, José Sócrates disse tudo. Um pouco mais do que tudo, até. Para ser certeiro, bastar-lhe-ia ter explicado: «Nós não governamos a pensar». Ponto.
Mas eu compreendo que a ministra, por seu lado, não saiba para onde se voltar, para onde fugir, para onde recuar, por onde resolver o problema.
E não é por falta de trabalho. Na verdade, tem-se esforçado bastante, tem trabalhado como nunca. Tome-se um exemplo: a última entrevista que lhe foi feita na televisão; era bem notório o imenso, o intenso trabalho em que se empenhou para reformar, em pleno tempo de crise, era nítido o seu radical ímpeto reformador: por uma vez, não aparecia despenteada: é uma reforma no visual; nada de fios soltos na cabeça: uma grande reforma, bolas!; algum pó-de-arroz, uma cor nos lábios. Não se pode ignorar esse esforço reformista. Depois, a moderação na voz. O tom comedido, quase doce. Não conta?
Não digo, vamos lá ver as coisas, que tenha conseguido tornar-se bela. (Embora se, em Portugal, houvesse alguém tão irrazoável e delirante para considerar possível uma tal reforma, esse alguém seria, evidentemente, a ministra da Educação); mas digo que se realizou um esforço honesto, ingente e visível para que ela não estivesse, ali, muito mais feia do que Judite de Sousa.
O problema permanece delicado; mais do que nunca. Como salvar a face? Sim, há faces que não merece a pena salvar. Mas, enfim, como mudar o modelo de avaliação sem dar a entender que se mudou? Ou, pelo contrário, como não mudar dando a aparência de que se mudou? Mais: e como conseguir fazer que o senhor de bigode farto, do sindicato, aceite essas mudanças-que-o-não-são, ou essas não-mudanças-que-o-são-mas-não-interessam?
E, pensa Sócrates, como evitar, no meio disto, a sangria dos votantes? O esvaziamento da maioria absoluta? Resposta dada, portanto: evitando pensar nisso.
Alguém dizia - não foram os Gato Fedorento? -: Bem, Sócrates tem, no fundo, muita sorte. É que Queirós está à frente da selecção, com os resultados que se têm visto.
E, que diabo, num país em crise, não há ovos disponíveis para o Queirós & ministra da Educação.
Ora a isso é que eu chamo não ter medo das palavras. Porque, bem vistas as coisas, José Sócrates disse tudo. Um pouco mais do que tudo, até. Para ser certeiro, bastar-lhe-ia ter explicado: «Nós não governamos a pensar». Ponto.
Mas eu compreendo que a ministra, por seu lado, não saiba para onde se voltar, para onde fugir, para onde recuar, por onde resolver o problema.
E não é por falta de trabalho. Na verdade, tem-se esforçado bastante, tem trabalhado como nunca. Tome-se um exemplo: a última entrevista que lhe foi feita na televisão; era bem notório o imenso, o intenso trabalho em que se empenhou para reformar, em pleno tempo de crise, era nítido o seu radical ímpeto reformador: por uma vez, não aparecia despenteada: é uma reforma no visual; nada de fios soltos na cabeça: uma grande reforma, bolas!; algum pó-de-arroz, uma cor nos lábios. Não se pode ignorar esse esforço reformista. Depois, a moderação na voz. O tom comedido, quase doce. Não conta?
Não digo, vamos lá ver as coisas, que tenha conseguido tornar-se bela. (Embora se, em Portugal, houvesse alguém tão irrazoável e delirante para considerar possível uma tal reforma, esse alguém seria, evidentemente, a ministra da Educação); mas digo que se realizou um esforço honesto, ingente e visível para que ela não estivesse, ali, muito mais feia do que Judite de Sousa.
O problema permanece delicado; mais do que nunca. Como salvar a face? Sim, há faces que não merece a pena salvar. Mas, enfim, como mudar o modelo de avaliação sem dar a entender que se mudou? Ou, pelo contrário, como não mudar dando a aparência de que se mudou? Mais: e como conseguir fazer que o senhor de bigode farto, do sindicato, aceite essas mudanças-que-o-não-são, ou essas não-mudanças-que-o-são-mas-não-interessam?
E, pensa Sócrates, como evitar, no meio disto, a sangria dos votantes? O esvaziamento da maioria absoluta? Resposta dada, portanto: evitando pensar nisso.
Alguém dizia - não foram os Gato Fedorento? -: Bem, Sócrates tem, no fundo, muita sorte. É que Queirós está à frente da selecção, com os resultados que se têm visto.
E, que diabo, num país em crise, não há ovos disponíveis para o Queirós & ministra da Educação.
terça-feira, novembro 04, 2008
A RECONVERSÃO IV (E FIM)
A ideia de uma invasão do planeta por hordas de criaturas de seis dedos com unhas por cortar em cada pé arrepiou-o vivamente. (Mas até algo tão simples como um arrepio era, agora, no seu corpo reconvertido, sentido de um modo novo, diferente, estranho, absurdo).
Subiu, atarantado, aos quartos: queria perceber o que acontecera à mulher e aos filhos; se também eram como ele, e haviam sofrido uma metamorfose idêntica, ou, não sendo, se o podiam de algum modo ouvir, entender, aconselhar, ajudar... (Nem lhe ocorreu que podiam afugentá-lo, expulsá-lo, matá-lo!)
À medida que galgava as escadas, sentia que se apossava cada vez mais do ser em que se reconvertia. Referências antigas, muito antigas, vinham à tona, como acordando de um sono velho. Memórias, imagens, ideias. Uma outra linguagem, de que se esquecera, de que se não lembrara nunca, mas recordava agora, tornava-se-lhe clara na mente, carregada de termos muito exactos, muito mais perfeitos do que as possibilidades oferecidas pelas línguas da terra. Ele era Kal-El. Uma célula adormecida durante anos. Pronta para a acção.
No quarto, a mulher e os gémeos viam-no entrar de sopetão. Olhavam-nos aterrorizados. Com olhos cheios de pavor. Abraçados uns aos outros. Tremendo. Temendo-o.
Foi a menina que o reconheceu. Sob a cor diferente, o aspecto inconcebível, os sextetos de dedos, as escamas em redor do pescoço.
E correu para ele - paradoxalmente, como se fosse proteger-se, nos seus próprios braços, dele mesmo.
- É o pai! É o pai! - repetia ela.
E nesse momento, todas as dúvidas encontraram uma solução.
Cabia-lhe protegê-los. Com seis dedos e escamas ou não. Fosse quem fosse. Ainda que se chamasse Kal-El.
Abraçou-a.
Subiu, atarantado, aos quartos: queria perceber o que acontecera à mulher e aos filhos; se também eram como ele, e haviam sofrido uma metamorfose idêntica, ou, não sendo, se o podiam de algum modo ouvir, entender, aconselhar, ajudar... (Nem lhe ocorreu que podiam afugentá-lo, expulsá-lo, matá-lo!)
À medida que galgava as escadas, sentia que se apossava cada vez mais do ser em que se reconvertia. Referências antigas, muito antigas, vinham à tona, como acordando de um sono velho. Memórias, imagens, ideias. Uma outra linguagem, de que se esquecera, de que se não lembrara nunca, mas recordava agora, tornava-se-lhe clara na mente, carregada de termos muito exactos, muito mais perfeitos do que as possibilidades oferecidas pelas línguas da terra. Ele era Kal-El. Uma célula adormecida durante anos. Pronta para a acção.
No quarto, a mulher e os gémeos viam-no entrar de sopetão. Olhavam-nos aterrorizados. Com olhos cheios de pavor. Abraçados uns aos outros. Tremendo. Temendo-o.
Foi a menina que o reconheceu. Sob a cor diferente, o aspecto inconcebível, os sextetos de dedos, as escamas em redor do pescoço.
E correu para ele - paradoxalmente, como se fosse proteger-se, nos seus próprios braços, dele mesmo.
- É o pai! É o pai! - repetia ela.
E nesse momento, todas as dúvidas encontraram uma solução.
Cabia-lhe protegê-los. Com seis dedos e escamas ou não. Fosse quem fosse. Ainda que se chamasse Kal-El.
Abraçou-a.
Subscrever:
Mensagens (Atom)