A ideia de uma invasão do planeta por hordas de criaturas de seis dedos com unhas por cortar em cada pé arrepiou-o vivamente. (Mas até algo tão simples como um arrepio era, agora, no seu corpo reconvertido, sentido de um modo novo, diferente, estranho, absurdo).
Subiu, atarantado, aos quartos: queria perceber o que acontecera à mulher e aos filhos; se também eram como ele, e haviam sofrido uma metamorfose idêntica, ou, não sendo, se o podiam de algum modo ouvir, entender, aconselhar, ajudar... (Nem lhe ocorreu que podiam afugentá-lo, expulsá-lo, matá-lo!)
À medida que galgava as escadas, sentia que se apossava cada vez mais do ser em que se reconvertia. Referências antigas, muito antigas, vinham à tona, como acordando de um sono velho. Memórias, imagens, ideias. Uma outra linguagem, de que se esquecera, de que se não lembrara nunca, mas recordava agora, tornava-se-lhe clara na mente, carregada de termos muito exactos, muito mais perfeitos do que as possibilidades oferecidas pelas línguas da terra. Ele era Kal-El. Uma célula adormecida durante anos. Pronta para a acção.
No quarto, a mulher e os gémeos viam-no entrar de sopetão. Olhavam-nos aterrorizados. Com olhos cheios de pavor. Abraçados uns aos outros. Tremendo. Temendo-o.
Foi a menina que o reconheceu. Sob a cor diferente, o aspecto inconcebível, os sextetos de dedos, as escamas em redor do pescoço.
E correu para ele - paradoxalmente, como se fosse proteger-se, nos seus próprios braços, dele mesmo.
- É o pai! É o pai! - repetia ela.
E nesse momento, todas as dúvidas encontraram uma solução.
Cabia-lhe protegê-los. Com seis dedos e escamas ou não. Fosse quem fosse. Ainda que se chamasse Kal-El.
Abraçou-a.
terça-feira, novembro 04, 2008
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1 comentário:
Espero que não te tenhas esfumado com a reconversão. Volta, estás perdoado!
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