O homem não era um pedófilo, nem um louco, nem um assassino em série.
Era um cidadão pacato, um pouco nervoso, já careca no alto da cabeça. Era Delegado de Propaganda Médica, não tinha mais do que dois pares de sapatos, uns castanhos e outros negros. Detestava que o confundissem com uma Testemunha de Jeová. O que, regularmente, acontecia: já sucedera, ao todo, mais do que três vezes.
O homem era simplesmente isto. Enervara-se com a chamada. Primeiro, assustara-se: Quem será, e a querer falar-me nesta aflição, a pedir-me que pague o telefonema...? Depois, percebera que eram miúdos. A brincar. E pensou: Vou dar-lhes uma lição!
Só isto. Quando percebeu que o número em causa se mantinha permanentemente desligado, que já o não atendiam, sentiu a alma rejubilar. «Apanharam um susto!» Mas não resistiu - e continuou.
O homem era somente isto.
Como sei?
É que o homem sou eu. De voz cortês. Cidadão pacato.
Mas como prová-lo!? Como prová-lo, agora que me prenderam porque um jovem chamado Nuno se suicidou - por enforcamento, o que é pouco vulgar em jovens - e, investigando no seu telemóvel, deram com as minhas mensagens, dezenas, centenas para não dizer milhares..., perseguindo, ameaçando, terríveis, «Estou perto», «Hoje estaremos frente a frente...», «Apanhei-te»?
Como provar que sou unicamente um homem que não quer da vida senão, para já, um terceiro par de sapatos?
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