Sou um excelente leitor de segundos sentidos nas frases. Modestamente.
Por exemplo, dizem-me que no meu romance «há páginas» muitíssmo bem escritas, do melhor que se fez nos últimos anos em literatura portuguesa, e eu, neste aparente elogio, leio: «As outras páginas, infelizmente, é que são fracotas!»
A propósito de algumas ideias em que me aventurava, quando era professor dos liceus, disseram: «Ah, sim, lá nisso o Gil é uma verdadeira máquina de ideias». E eu prendi-me ao «lá nisso», que significa: «O pior é», uma vez mais, estão a ver o mecanismo?, «o pior é no resto, nisso ele safa-se!»
Dizem-me «acho que sim» e eu detecto a incerteza desta afirmação. A falta de convicção.
Dizem-me «deixa-me pensar», e eu entendo o tempo necessário para se embrulhar a verdade em palavras que me não firam de mais. E por aí fora...
Se eu fosse polícia, seria um sucesso. Daqueles capazes de apanhar os assassinos nas entrelinhas, nos «lá nisso», nos «acho que». Como o Lightman é bom a compreender expressões faciais, sou eu bom a apreender os lapsus linguae, os deslizes, as ironias, os sinais dados pelas palavras deslocadas, desajustadas, reveladoras.
O problema é que não sou polícia. E, nesse caso, torno-me simplesmente um neurótico. Um dos mais chatos, portanto.
sábado, março 19, 2011
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