o menino gostava da areia da praia. era pequenino e tinha medo de se perder. não queria entrar na água nem verdadeiramente mover-se demasiado, porque a mãe lhe dissera que estava a fazer a digestão. e, portanto, observava. que mal podia fazer à digestão obervar, desde que os olhos não se agitassem de mais? era um mundo de meninas gordas em bikini, abanando a celulite; de homens que mostravam músculos descaídos; de barrigas flácidas, mergulhos que salpicavam, risos. era um mundo maravilhoso que, por vezes, se tornava assustador, quando (por exemplo) um grupo, perseguindo uma bola, se aproximava muito do seu espaço da digestão.
quando começou a temer as senhoras velhas que se sentaram a seu lado, conversando e esmagando-o, decidiu escavar um buraco na areia. o menino era pequenino, não tinha força. além disso, fazia a digestão. mas lentamente, lentamente, para fugir ao riso das duas velhas, foi escavando e refugiando-se no buraco: mas o buraco, estranhamente, grão de areia atrás de grão de areia, crescia, isto é, aprofundava-se. e no momento em que deixou de ouvir as vozes das mulheres, os gritos, as bolas batendo nas raquetes, as ondas, invadiu-o uma paz que nunca ouvira antes em sítio algum em nenhum momento.
a areia começava a estar húmida. agora não podia parar. olhou para cima e já não viu nada senão um buraquinho minúsculo, de longe. ali não o encontrariam. talvez nunca mais. mas não teve medo, pelo contrário. descobriu que o seu desejo secreto era precisamente esse. devia continuar: desde que não perturbasse o processo da digestão.
domingo, abril 24, 2011
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