quarta-feira, outubro 26, 2011

UM HOMEM E UMA MULHER OU O SIMPLES PRAZER DE CRIAR UMA SINOPSE

Lisboa, anos 50.
Lopes era um homem sem metafísica [poderia ter-lhe até chamado Esteves, se não fosse o desacerto da época] nem, aparentemente, sonhos de espécie alguma. A sua opacidade é notória: veste sempre o mesmo fato escuro e gravata e entra todas as manhãs, muito franzino e adunco, num café onde pequeno-almoça ao balcão. A sua mulher, a quem nada pede e de quem nada espera para além dos gestos habituais e de uma relação de rotina, chega ao café uns minutos depois dele. Ela passara entretanto pela papelaria, onde tinha ido buscar um jornal desportivo, que lhe estende e ele lê, sem emoção. Manhã após manhã vemo-los pois entrar, primeiro ele - magro, igual a si ao longo dos anos - e a seguir ela, engordando e tornando-se mais feia e desarranjada.

Uma tarde, Lopes não regressa a casa após um dia de trabalho burocrático. E a aflição da mulher não resolve esta ausência. Procura-se o homem por toda a parte. Ninguém tem ideia de investigar em prisões. [A que propósito estaria o Lopes numa prisão?] Nem o Lopes tinha propriamente «amigos» que pudessem acolhê-lo: apenas colegas. Em contrapartida, da única vizinha que tem telefone, a senhora Lopes faz, muito chorosa, inúmeros telefonemas para hospitais. Teria sofrido um acidente? Tido algum ataque maléfico? Para onde pode desaparecer um homem assim? [Assaltado? Em pleno dia? Na Lisboa dos 50?] Dão-no como morto, ao fim de meses de buscas infrutíferas.

Cinco anos mais tarde, uma outra vizinha, de visita a uns filhos em Moçambique, garante ter encontrado o Lopes. Mas, de certa forma, um "outro" Lopes: marido de uma mulata, pai de três filhos (dois rapazes gémeos, com dois anos, e um bebé de meses); joga [conta-se que perdeu e refez fortunas, em poucos dias], caça feras, em aventuras que narra em grupos de senhoras, entre gargalhadas, sempre de uísque na mão; conta anedotas apimentadas, veste-se de caçador (ou de smoking), como numa perpétua mascarada. Chamam-lhe Dias. A vizinha muda várias vezes de opinião. Será, este Dias, o Lopes que ela conheceu? Poderá tratar-se realmente do mesmo homem?

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