Atrás de um balcão quadrado, que o cercava
por todos os lados, o homem que embrulhava os objectos trazidos pelos clientes das
inúmeras lojas do centro comercial era um tipo de certa idade, mãos levemente
trementes, movimentos vagarosos, como se estivesse a provocar-nos; o seu bigode
branco, amarelecido pela nicotina, sugeria uma severidade a que a sua simpatia
e timidez não correspondiam. No momento havia poucas pessoas. Mas era época de
Natal. A afluência de multidões encantadas por cânticos não tardaria. Talvez o
homem pudesse apressar-se, pensei; talvez estivesse a fruir o facto de sermos por
enquanto poucos, para se dedicar com tempo a nós: mais atenção e carinho a cada
um. Mas os seus dedos não tinham virtuosismo, nem habilidade, o papel
dobrava-se hirtamente sobre os pacotes que lhe entregávamos, a fita demorava
infinidades a cruzar-se num laço final. Pressentia-se mais surpresa do que
impaciência entre os que esperavam. Cruzavam-se olhares de espanto, sem
qualquer ironia. Eu trazia uma garrafa de vinho do porto. Uma angústia
principiou a concentrar-se. Mas uma angústia que não eliminava de todo certa
curiosidade: O gajo vai conseguir embrulhar uma garrafa? Quando chegou a minha
vez, perguntei, precisamente:
«Diria que uma garrafa é embrulhável?»
E ele respondeu, como perante um desafio
infantil,
«Vamos lá a ver o que se pode fazer», rindo-se
pelo nariz.
Observei, numa aflição que o homem não
partilhava, o papel vermelho sendo mal rasgado no suporte, a garrafa – a minha
garrafa, ou melhor, a prenda que eu escolhera para o meu primo – tombar com um
ruído de vidro sobre a mesa, os dedos inábeis reiniciar sucessivas tentativas
de a cobrir com um papel que, nas suas mãos, se tornava demasiado duro, como
uma lâmina colorida. A operação demorou muito tempo. Pediu-me que pressionasse
a fita com um dedo de forma a poder executar um laço. E ao fim de uns vinte a trinta
minutos fui-me embora, remoendo o meu espanto, com um embrulho pouco uniforme, com
aberturas imorais, como uma mulher que, entre os botões da camisa oferece ostensivos
convites para se olhar (na verdade, sejamos justos: mais com a imaginação do que
com os olhos…)
Feliz Natal.
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