O Simões, coitado, era, aos trinta anos de idade, o que se chama um virgem: mas virgem de corpo e alma, e virgem em relação a praticamente tudo o que prenuncie prazer. O Simões não tinha vícios: não fumava, não bebia, não praticava sexo; não tomava café, porque temia as palpitações e as insónias; não sabia conduzir nem sabia nadar; nunca andara de bicileta; de moto, muito menos; não amava, nunca se apaixonara; é certo que trabalhava muito: o trabalho equivalia, no Simões, a quase um vício. Era, talvez, o que disso mais se aproximava.
O ponto é que nem aos trinta, nem aos quarenta, talvez em idade nenhuma se tem a vida completamente fechada, inteiramente imune a surpresas.
E, como a prová-lo, um dia, o Simões apaixonou-se.
Ou seja: dera-lhe uma espécie de explosão epilética em face de uma mulher de cinquenta e três anos mas com aspecto de menina, aspecto esse mantido, aliás, pelo aparelho «teen-ager» que usava nos dentes e pelas camisolinhas que lhe revelavam um belo umbigo num estômago que ela se esforçava por encolher.
A mulher, Alda Bobone, tinha rugas no rosto - que o Simões, de resto, adorava: eram as rugas mais belas que ele já vira, em todos os pontos certos, num subtil jogo de ramificações, numa maravilhosa teia que lhe fazia lembrar relâmpagos riscando o céu numa noite de trovoada.
Como o Simões nunca estivera antes apaixonado, tornou-se demasiado óbvio: suspirava, revirava os olhos, palidejava quando a via. Punha um ar de sofrimento, como se estivesse com os sapatos apertados ou dor de dentes. Não dormia. O rosto ia-se-lhe escavando até se fixar nos contornos dramáticos da caveira. Não comia. As calças principiavam a cair-lhe, apertava o cinto, tornava-se de uma magreza neo-Gótica.
Alda Bobone percebeu rapidamente que aquele jovem com ar vagamente de poeta começara a desfazer-se por causa dela. E comportou-se como se lhe tivesse saído a taluda, e com razão: aos cinquenta e três anos, ainda despertava paixões...!
Nunca os seus requebros foram tão ostensivos, os seus decotes tão profundos, o aparelho nos dentes tão faiscante, nunca o seu modo de se sentar, cruzando a perna, destapando a coxa, fora tão sensual.
Ao fim de umas curtas semanas durante as quais ensaiou todos os passos da sua dança de sedução, e não querendo prolongar essa fase, não fosse o jovem, cada dia mais aflito, agonizar de vez, dona Alda passou ao ataque. Num só dia apanhou-o a sós, beijou-o como se lhe sugasse a alma, desencadeando-lhe um dos seus piores ataques de asma, e levou-o dali para a cama, ainda com a respiração descontrolada.
Nesse único dia, Simões somou, ao tenebroso vício da paixão, dois novos vícios: em primeiro lugar, o sexo. Não precisou de se esforçar, porque dona Alda fazia tudo praticamente sozinha: ela tratou dos preliminares, pôs-se-lhe debaixo, pôs-se-lhe por cima, comprimindo-o na sua celulite, gemeu, arfou, gritou. Ora bem. Em segundo lugar, o tabaco. Porque, inexperiente como era, virgem como fora sempre, não tendo do sexo senão as imagens e os clichês dos filmes, Simões julgava que fazia parte do próprio acto concluí-lo com umas passas num cigarro, o corpo nu enrolado num lençol, enquanto lançava, para o ar, sopros de fumo e algumas reflexões vagamente filosóficas.
Dona Alda era incansável. Queria mais, queria sempre, todos os dias, se não a todas as horas. E o Simões, que no início da paixão parecera rejubilar, ganhar novas cores e uma nova vitalidade, depressa retomou a marcha para a decadência física, para a magreza, para o ar tenebroso e neo-Gótico.
E, principalmente, fumava muito. Fumava de todas as vezes que fazia sexo. Entretanto, descobriu que dona Alda era casada com um certo engenheiro Bobone, que o procurava agora por todo o lado e lhe fazia esperas, com uma machadinha escondida no bolso. Simões deu, pois, em fugir. E em fumar cada vez mais. Fugia do marido dela, obviamente, mas também da mulher do marido. Já não fumava meramente como um ritual pós-coito, fumava, agora, para relembrar o sexo de que fugia, mas também para tentar esquecê-lo, ou simplesmente para se acalmar, ou fosse pelo que fosse.
A sua asma não melhorou. Pelo contrário. Quando não estava com um cigarro nos lábios, estava com uma bomba enfiada na boca, aspirando com um estertor moribundo.
Com trinta e dois anos, Simões morreu de complicações que eu, que não sou médico, não saberia descrever.
Várias hipóteses de moral seriam retiráveis deste conto, algumas talhadas para as campanhas anti-tabagistas.
A única que me apetece extrair, com a dor e a melancolia de quem tem de extrair um dente, é esta: Mais vale uma vida breve por causa de um vício, do que uma vida demorada sem vício nenhum.
quarta-feira, agosto 30, 2006
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