Uma Biblioteca esfuziante, modernaça: computadores, constantes remessas de novos livros, sala de conferências, exposições. Inclusivamente, um bar que serve almoços ligeiros.
Entro, aderindo de imediato àquela espécie de silêncio religioso. Trago dois ou três livros para devolver. Passo pela primeira mesa. Lembrando-me de que, da última vez que os quisera entregar aí, se tinham zangado comigo e indicado uma segunda mesa, própria, essa sim, para levantamento e/ou devolução de livros, não me detenho. Mas, de caminho, sempre confirmo com a senhora funcionária que nada faz, sentada à primeira mesa:
«Livros, naquela outra mesa, não é?»
«Sim», responde-me com um sorriso que não consigo interpretar.
Estou já diante da segunda mesa. Com os livros na mão. Aguardo. Não vejo ninguém. Não posso chamar, não posso assobiar; um casaquinho de malha deixado nas costas da cadeira faz-me ter fé: alguém aparecerá.
Ninguém aparece. A fé estremece. Sinto o tempo a bater-me nas têmporas. Tenho mais que fazer. Ao fundo, sentada à primeira mesa, a empregada olha-me, com o mesmo sorriso indefinível. Não me chama. Deixo-me estar.
Passou demasiado tempo. Vou ter com a funcionária da mesa 1. Pergunto-lhe, com uma perplexidade que nada tem de irónico:
«Desculpe-me, não está ninguém naquela mesa?»
Responde-me, com uma perplexidade que, toda ela, tresanda a ironia:
«Não vê que não?!»
«Sim», insisto, «mas não vai aparecer ninguém?»
«Não, provavelmente não».
«Mas não posso devolver estes livros?»
«Como?»
«Se não posso devolver hoje estes livros...»
«Pode».
«A quem? Onde?»
«Como?»
«Como é que eu faço? A quem? Onde vou?»
«A mim. Aqui mesmo.»
Não devo deixar passar em branco esta série de equívocos, até porque ela mantém o irritante sorriso que, percebo finalmente, só pode ser de quem me quer tourear.
«Perdão, mas a senhora não me disse que os livros deviam ser requisitados ou devolvidos naquela mesa?»
«Disse. Mas isso, obviamente, quando está lá alguém. Neste momento, não está». E rematou, alargando um pouco o sorriso gengivudo: «Eu posso recebê-los aqui, mas o senhor quer que os vá receber na outra mesa...? Se prefere...»
O sorriso. Os dentes revelados até às gengivas.
Fico um pouco desarmado por esta lógica implacável. Passam-me meteoricamente várias possíveis respostas pela mente. «Mas não viu que eu me dirigi para a outra mesa?», ou, à falta de melhor argumento: «Está lá um casaquinho nas costas da cadeira...»
Suspeito, porém, que a conversa poderia durar muito, muito, muito tempo neste registo delirante. Não tenho pedalada. Não suporto o sorriso. Dou-lhe os livros. Venho-me embora. Paro. E se lhe dissesse...? Nááá! Saio.
sexta-feira, outubro 19, 2007
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