Numa altura da minha vida em que o dinheiro escasseava (o que é vago: isto poderia, portanto, ter-se passado em qualquer ponto da minha vida...), uma tia de bom coração ofereceu-me certa prenda. Já vão ver que há aqui um mistério: interpretei-o do seguinte modo - como ela julgasse que eu nunca aceitaria uma oferta em «dinheiro» propriamente dito (ah, como as pessoas me conhecem mal), presenteava-me com um livro. Mas, eis o mistério, dentro do livro, discretamente, encontrava-se um pacote contendo... leiam com calma... cinquenta mil Euros.
Que raio teria passado pela cabeça à senhora minha tia? Que, quando eu viesse a descobrir, pensaria que era dinheiro meu, que não me lembrava de ter guardado ali?! Ou que me ocorreria que ela se esquecera ali das notas, e que acabasse ficando com elas para mim, em vez de as devolver...?! (Deus do céu! Como mesmo as pessoas que me conhecem mal em alguns aspectos me conhecem tão bem noutros...)
Seja como for, estas ou outras possíveis interpretações para o estranho facto só me surgiram muito mais tarde. Eu não dera logo pelo misterioso pacote! A verdade é que o livro nunca me interessou. Não o abri, sequer. Deixei-o em cima de uma estante, sujeito ao paciente trabalho do pó, da traça e das aranhas!
Bem via que a minha tia, visitando-me, me perguntava, de vez em quando, se eu gostara do livro. E em que parte ia. Ora eu mentia-lhe com quantos dentes possuo. Que era muito interessante, sim, e já estava quase no fim... falava-lhe de personagens recambolescas, de aventuras bizarras, na esperança de que a minha própria tia nunca tivesse lido o romance em causa.
Há precisamente uma semana, o livro abriu-se. Não o abri; abriu-se. Por acaso, por acidente. Na verdade, caiu ao chão, revelando-me pela primeira vez o sobrescrito e, no interior deste, os cinquenta mil Euros!
Fiquei interdito. Não compreendia. Peguei nas notas, contei-as, recontei-as.
Nesse momento, ou por coincidência ou porque me vigiavam, recebi um telefonema.
E uma voz gutural, que não era, certamente, a da minha tia, disse-me com rispidez:
- Trata de ir entregar o livro no Oeiras Parque. Ponto de encontro: a cadeirinha metálica em frente da perfumaria. Ao lado da Bulhosa. Domingo, às quinze. Não faltes!
(CONTINUA)
sábado, maio 17, 2008
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