sexta-feira, maio 23, 2008

O MISTÉRIO DA PRENDA COM PRENDA OCULTA [II]

Muito nervoso, amedrontado mesmo, com a imaginação excitada, a mente a trabalhar num velocíssimo desfiar de hipóteses, a verdade é que no dia marcado, à hora exacta, lá estava eu no local que as coordenadas me indicavam.

Sentei-me no banco metálico, que era desconfortável, sem costas - e contra o qual, alguns segundos antes da minha chegada, um senhor idoso (e, possivelmente, com péssima visão) esbarrara, provocando um ruído horroroso, o qual me sobressaltara como o estampido de uma arma.
Agora, mais calmo mas, infelizmente, não muito mais calmo, ouvindo a mulher que ralhava ao senhor idoso, «És sempre o mesmo, cum camandro! Mas não viste o banco ó quê?! Precisas dum cão de guarda ó quê?», deixei-me estar sentado, de pernas juntas, joelhos unidos, como se estivesse de saia, e com o livro pousado no regaço.

Ainda nem um minuto passara, quando reparei em um rapaz que se me sentara ao lado. Cabelo armado num edifício de gel, nariz arrebitado, ar de porquinho. Não se tratava propriamente do género «facínora» que eu esperava e que a minha imaginação compusera. Num certo sentido, não sei dizer se me senti aliviado, se frustrado...
Tentei chamar-lhe discretamente a atenção.
Tamborilei insistentemente com um dedo sobre o livro. Depois, com os cinco dedos, um por um, de uma forma enervante: trrrlic, trrrlic. Sacudia a perna, num movimento nervoso. Sorri-lhe. Pisquei-lhe o olho, como num tique. Vi-o olhar-me fixamente. Mas sentia-o embaraçado, incomodado. A desviar os olhos. Quanto mais eu lhe procurava o olhar, mais o dele me fugia. E, finalmente, para minha estupefacção, o porquinho levantou-se e foi-se embora. Já só se avistava a poupa de gel lá na linha do horizonte, prestes a desaparecer...

Que fazer? Devia segui-lo? Começara até a desconfiar de que não se tratava da pessoa que eu tinha de encontrar, mas que ocorrera um terrível equívoco.

Nesse momento, a voz gutural soou-me nas costas.
- Traz o livro?
Voltei-me. Era um homem baixo, completamente calvo, de óculos extremamente graduados. A uma primeira impressão, não atemorizava. Mas a uma impressão mais detida, algo nele se tornava rapidamente aterrorizador: era um daqueles indivíduos exageradamente baixos que, por via de um preconceito politicamente incorrecto, imaginamos capazes de tudo, das piores violências, dos crimes mais hediondos.
Entreguei-lhe o livro, com as mãos a tremer.
Passou rapidamente as páginas, sem encontrar nada entre elas.
- Está a brincar? Quer brincar, é?
Eu sabia que ele queria o dinheiro - que diacho me passara pela cabeça quando o começara a gastar e, em poucas horas, percebera que já não tinha nada, rigorosamente, literalmente - nada..?!

(CONTINUA)

1 comentário:

zorbas disse...

E compraste o quê com 50 mil euros?
Quero saber todos os pormenores!