Depois do ruído que o apavorara ao longo da noite inteira, o vento a soprar desmedido, a chuva a torrenciar, árvores desabando, após aquele tempo em que lhe parecera que o mundo tinha mergulhado no caos, acordava de um sono brevíssimo e percebeu que fora despertado pelo silêncio.
Ah, mas a palavra silêncio é, ainda, muito ruidosa. A palavra silêncio não transmite, nem de longe, aquele perfeito vazio sonoro, aquela absolutíssima ausência. Tocou com os dedos nas orelhas, para se certificar de que as tinha. O silêncio era real. Um silêncio de nada haver. Um silêncio: não de falta de ouvidos, mas de não haver o que ouvir...
Aproximou-se da janela com um estranho pressentimento. Um estranho e silencioso pressentimento. Abriu-a. E viu
que não existia nada. Que a tempestade medonha arrastara para algures tudo o que o rodeara até então, o passeio, o chão, as casas, os passarinhos, os cães, os cocós de cão, as grades, os carros, o café do senhor Eliodoro, o senhor Eliodoro do café, a mulher do senhor Eliodoro, os cabos, os risos, os parapeitos, os brincos, as nuvens, os tijolos, os túmulos, os caixotes para a reciclagem, os refrigerantes,
os portões, os gatos, os muros, as palmeiras, os triciclos, os aparelhos de rádio, os ladrões, a Ministra da Educação, os ministros, a voz, os ralhos, as vassouras, as pás de lixo, a roupa estendida, os blogues, os vampiros e as bruxas...
Não se tratava de ele, em sua casa, ter voado para longe. Ele mantinha-se na sua casa que se mantinha no mesmo sítio. Não havia era sítio algum. A casa mantinha-se firmemente no nada.
Sentou-se sobre a cama.
E perguntou-se: Bolas! E agora?!
terça-feira, fevereiro 03, 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário