sábado, fevereiro 14, 2009

A SURPRESA DO DIA DOS NAMORADOS

Klaus Constantin era um caso sério de incompreensão do feminino.



Para ele, tudo o que vagamente soasse a feminino, pertencia a uma espécie de castelo belo mas cerrado, luminoso, perfumado e palpitante de vida, mas rodeado por um lago de crocodilos; era um templo brilhante, que o atraía, evidentemente, mas em cujo sentido era incapaz de penetrar: ele lembrava, diante desse mundo secreto, certos meninos pobres que, nas noites de consoada, se postam, tristemente, à janela de mansões festivas aonde nunca terão acesso.



Os amigos conheciam-lhe essa faceta e riam-se dela. Havia histórias perfeitamente ridículas - que eles gostavam de repetir até ao ribombar asmático de gargalhadas - acerca do total desajustamento e da infeliz cegueira de Constatin para o sentido do mundo feminino.

Mais do que os amigos, a mulher de Klaus, Olga Constatin, era a primeira a pensar que o seu marido nunca, nunca, nunca seria capaz de perceber de que substância material e espiritual era uma mulher feita.



Foi talvez por esse motivo que, no dia dos namorados, Klaus Constatin jurou a si mesmo que estaria à altura.

(Essa preocupação - pensou - era já até, talvez, um início da compreensão: pois é precisamente por essa atenção amorosa - pensou - que se principia, talvez, a entender a mulher...)



Jurou que a surpreenderia e, por extensão, aos seus amigos trocistas.

Levou uma semana a preparar a surpresa, mudando de ideias, reajustando formas. Achou que deveria acordar muito cedo de maneira a que, quando Olga chegasse à mesa da cozinha, deparasse com uma rosa junto a um pequeno-almoço...

Mas foi desistindo das várias hipóteses. Nenhuma lhe parecia vir aninhar-se na secreta e estranha essência daquilo que uma mulher realmente deseja!



Até que, na véspera do Dia dos Namorados, tinha chegado ao plano indubitável. Como duvidar do seu poder?

No dia 14 de Fevereiro, cuidou de que, quando a esposa entrasse em casa, fosse encontrar, insinuantemente espalhadas pelo chão, as várias peças de roupa que ele fora despindo num strip-tease que, ao mesmo tempo, desenharia o rasto que Olga tinha de seguir, as calças aqui, a camisa adiante, a camisola interior no primeiro degrau da escada, uma peúga mais acima, outra já próxima do quarto, as cuecas à porta, a porta entreaberta, de maneira a que, no fim do trilho de roupa despida, o visse a ele, esperando-a, nu, nu, nu, num leito cheio de pétalas de rosa...


Havia mesmo um levíssimo perfume a sândalo no ar.


E teve de se apressar quando ouviu o carro chegar, regressado das compras.


Entrou na cama, nervoso, ansioso, treinando poses sensuais, rindo-se por dentro da surpresa, quando ouviu a voz agreste de Olga, gritando-lhe de baixo:

- Mas és maluco, ou quê? Agora já nem pões as tuas porcarias no cesto da roupa suja? Pfff, que pivete! Este cheiro é das cuecas, ou quê?! Sou sempre eu a arrumar, sempre eu a arrumar. Olha para isto, tudo espalhado. Até me apetece chorar! Não és nenhuma criança, que diabo! Já não tens idade para te comportar com tanta falta de cuidado. Não há direito. Mas que merda de vida! Sou uma escrava. Sou uma escrava.



Antes que Olga o visse naqueles preparos, recolheu as pétalas e escondeu-se na casa-de-banho do quarto.

Estava frio. Não tinha roupa, só poderia sair quando ela não andasse a rondar.



Não. Não, de facto: ainda não principiara a perceber o mundo das mulheres.

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