terça-feira, fevereiro 24, 2009

CARNAVAL ALENTEJANO

Não sei por que me pareceu boa ideia ir passar a terça-feira gorda a uma aldeia alentejana.
De lá, da dita aldeia (já cidade, aliás) garantiam-me, com a esperada entoação cantada: «Anda, vás vêr que o corso carnavalêsco é aqui muito engraçadú!».
E eu fui. Fiz pior: convidei amigos. O inefável M., coitado, para que fosse com a sua família juntar-se, na citada aldeia já cidade, à minha prória família (o que é castigo bastante: convidar alguém que não haja cometido qualquer crime nem tenha contribuído para a fabricação dos meus filhos - que se saiba! -, a conviver com eles ...)

Tínhamos combinado, sob as ordens irrevogáveis da senhora dona sogra, que, saindo de Reguengos, íamos todos almoçar à bela Monsaraz, gozando a paisagem que se nos estenderia das ameias do castelo abaixo, enquanto degustávamos umas migas ou uma carne de porco, regadas com um tinto. Mas tínhamos de estar de regresso a Reguengos às catorze horas, nem um minuto mais, de forma a podermos assistir à saída de um corso que, segundo a sogra, não ficava atrás do que de melhor se faz no Rio de Janeiro ou mesmo em Loulé.

Assim se fez.
À entrada em Monsaraz, ainda se nos ouviam maravilhados e comovidos «Ahs», «Ohs» e «Uiiiiiiiiiiiiiins» (estes últimos, obviamente, da goela da petiza...)
A tragédia só principiou a mostrar as unhas no momento em que tentámos o primeiro restaurante. Não sei como, quando nos contámos, éramos treze! Queríamos uma mesa para treze pessoas - em Monsaraz - à hora do almoço - na terça-feira gorda. Receberam-nos, evidentemente, com desprezo e troça. Em pronúncia alentejana, que faz soar ainda mais despreziva e trocista o desprezo e a troça. Não nos levaram, talvez, a sério. Gritaram-nos, por fim, «Nem pensari!».

No segundo restaurante, igual recepção.
O mesmo no terceiro.
Andámos às cabeçadas, à torreira do sol, de restaurante em restaurante, deparando com todos eles a abarrotar de gente que se regalava com as migas e a carne de porco.

Percebemos que, se insistíssemos em comer, não poderia ser em Monsaraz.
Novos planos da sogra. Reenfiámo-nos, então, nas viaturas. Procurámos uma aldeia adiante. O parque de estacionamento, com carros em cima uns dos outros, fez-nos entender que nem merecia a pena parar.

Entretanto, eram catorze e trinta. A lírica ideia de estarmos às duas em Reguengos já passara de moda. Íamos à cata de tascas, tabernas, fosse o que fosse. Na aldeia mais à frente também não conseguimos convencer proprietários nem empregados façanhudos.

Voltámos a Reguengos a estoirar de fome. Vamos ao «Barril»? Boa! É do baril!

No «Barril», já, portanto, em Reguengos, tivemos de nos dividir por duas mesas.
Um jovem de buço mal semeado veio tomar notas, mas éramos muitos, estávamos cheios de fome, o calor apertava, falávamos ao mesmo tempo, o rapaz enervava-se, desapareceu e não tornou a aparecer. Veio, em seu lugar, um quase adulto que nos pediu desculpa, mas que o mocito se sentira indisposto e, portanto, teríamos de refazer todos os pedidos.

Entre diversas e confusas exigências, um de nós encomendara uma picanha, mas ressalvando, talvez preocupado com a linha ou com a saúde, que não trouxessem batatas fritas. «Em vez disso, por favor, veja lá, por exemplo um arrozito...»

A comida demorava a chegar. Não deixei de reparar, mais tarde, que a picanha do dito veio, finalmente, carregada. De batatas fritas.
Chamámos o quase adulto, explicámos-lhe que se preferia realmente arroz.
Voltou dali a pouco. Explicou que o arroz acabara mas, entretanto, tomara a liberdade de mandar fritar mais umas batatitas que, aliás, eram literalmente três ou quatro palitos num pirezinho de tremoços.

Na parte das sobremesas, então, parecia nada haver já. A não ser o doce da casa. «E isso é bom?» Oh, sim, oh, sim, delicioso. E o quase adulto esmerava-se na explicação convincente, apurava-se na descrição dos ingredientes e dos processos. Estávamos rendidos. Saiu por um instante. Ei-lo: Tinha-se enganado, já não havia doce da casa!

Saímos atrás de uma música roufenha, que nos acenava lá de fora. «Querem ver que o corso não anda longe?» Era, de facto, o corso: uns alentejanos vestidos de mulher, muitos miúdos mascarados de palhaço, cornetas e papelinhos.

No Brasil não há disto!

Nem em Loulé!

1 comentário:

lara_1012 disse...

Essas tuas incursões alentejanas são dubest!!