quinta-feira, junho 24, 2010

SARAMAGO & CAVACO

Tão simples como isto: Cavaco não compareceu no funeral de Saramago.
Falo com toda a sinceridade de que disponho: acho bem.

Sucede que, neste caso, Cavaco Silva escolheu sem constrangimentos porque já sabia que, qualquer que fosse a sua decisão, acabaria sendo crucificado em nome dela.
Pôde, assim, optar sem peso, guiando-se unicamente pelos seus motivos e pelas suas razões.
Dir-me-ão: um Presidente da República é mais do que o cidadão concreto Aníbal Cavaco Silva. E a sua ausência enquanto presidente constituiu um derradeiro insulto ao Nobel português.
Não estou de acordo. Primeiramente, porque essa separação não pode ser feita. Quando o presidente comparece a uma cerimónia, não deixou o cidadão Aníbal Cavaco Silva sozinho em casa. Leva-o junto, como certos pais que não têm com quem deixar os filhos. Segundamente, porque não vejo na sua ausência uma diatribe, um acto de desprezo. Mais facilmente veria o cumprimento da úlima vontade do falecido. Pois não fora o próprio Saramago a dizer que, a partir da afronta que lhe haviam feito, nunca mais estaria onde Cavaco estivesse, e cuidaria de fazer com que Cavaco não fosse aonde ele estaria?

Cavaco Silva ter ido ao funeral seria, isso sim, um desrespeito. E um oportunismo. Seria o espectáculo infame de um presidente a usar, como bandeira, e para sua glória pessoal, o nome de uma pessoa que o não suportava.

Não vejo na ausência do Presidente um acto de desprezo. Vejo, pelo contrário, um acto de respeito. Este senhor não gostava de mim, pois não me terá a ensombrar-lhe o funeral.
Cavaco fez bem. Não perdeu com isso o país, não perdeu Saramago, não perdeu Pilar.
E, vá, que a vida continue!

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