Ao vivo, a cores, a moradia pareceu-me imediatamente mais bonita - o que é um caso raro - do que nas fotografias da agência. Se chegássemos a acordo, seria a primeira casa a sério onde moraríamos juntos, eu, Marta e a criança que, por enquanto, morava gratuitamente em Marta: no interior de seu ventre arredondado.
O senhor da agência, ridículo na minúscula gravata de canários, no suor e na ânsia de agradar, ia desvendando qualidades invisíveis, apontando oportunidades em cada recanto.
A dona da casa lembrava uma estaca, seguindo-nos, colada a nós, como se perguntasse «Será agora? Será desta?»; só o dono, em camisola interior e capachinho, se diria deprimido: era um homem magro e triste, que sorria pouco e a quem a vida pouco devia ter sorrido.
De repente, disse, com uma voz inesperadamente aguda:
- Os senhores fazem um mau negócio. A casa está cheia de humidade. Nem é preciso olhar para as manchas, basta sentir. Não vêem, ou não sentem, que estas paredes são blocos de humidade com uma demão de cal?
Fez-se um silêncio demorado.
Podíamos ter tomado as suas palavras como uma piada, mas não nos atrevemos; ou podíamos simplesmente ter fingido não as haver ouvido, como quando alguém solta um incómodo e inconveniente flato. Todavia, aquele silêncio não deixava dúvidas: ouvíramos bem.
O senhor da agência prosseguiu a caminhada. Os seus sapatos, com solas de borracha, chiavam no chão. Optou, quanto a mim bem - embora através de uma série de disparates - por ir diminuindo o que fora dito pelo outro:
- A humidade é até uma vantagem. As pessoas pensam que não. Era como quando se dizia que o azeite fazia mal, e agora já se percebeu que é um fio de saúde. Pois cada vez mais se sabe que os climas húmidos são os mais saudáveis. E olhem, hã? Que tal? Esta vista!? Que me dizem? Venham, venham, deixem-me abrir... ham... ui... esta janela e, hã?, que vos dizia? Gozem esta paisagem única...
- Não se deixem enganar -, aflautou o dono. - Vão construir prédios à volta! A vista vai desaparecer daqui mais depressa do que uma lebre.
- Desculpe lá, mas não entendo -, agrediu o senhor da agência. - Por acaso enlouqueceu?
- Mário! .- admoestava a mulher, com nítido atraso.
- Se continua nisso, vou-me embora. Assim não posso trabalhar. Nunca vi uma coisa destas. Quer vender? Quer vender? Quer vender ou não? Quer vender?
Novo silêncio.
E o homem, na sua flauta teimosa, mais forte do que ele próprio:
- A casa está mal-assombrada. Nunca consegui cá dormir uma noite completa. Nem pensar. Gostam de fantasmas? Isto está cheio de fantasmas, toda a noite, toda a noite. Fantasmas, fantasmas, fantasmas...
quinta-feira, junho 03, 2010
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