O local é o infame Oeiras Parque, que já deito pelos olhos.
Sozinho com a Daisy, enquanto o irmão faz uma espécie de vida de jet-set, entre praia, cinema, festas-karaoke, e a mãe dos miúdos continua presa ao trabalho, opto, à hora do almoço, por repartir com ela uma lasanha.
Não o faço por razões financeiras. Poderia ser, mas não. Tão-só por motivos logísticos, se é que a palavra está bem escolhida. Não posso carregar para a mesa dois pratos, que não cabem num tabuleiro, nem dois tabuleiros com um prato cada um. Por outro lado, custa-me deixar a garota sozinha numa mesa, já a comer, enquanto procuro a minha própria refeição. De modo que trago dois pares de talheres, divido a lasanha no prato, que é imensa, Tu comes isto, eu como aquilo!
Faço-o sempre (não é a primeira vez) com alguma vergonha. Não gostaria que me tomassem pelo rei dos somíticos, nem que achassem que roubo restos ao prato da minha filha.
Estamos precisamente ao lado de uma família: pai de braços peludos e óculos à moda, mãe com túnica de praia e chinelos, olhos verdes, miúda de uns dez anos, gorda, de caracóis; percebo, embaraçadíssimo, que seguem a minha operação: logo que a Daisy choraminga «Nã qué maij», deslizo o prato para o pé de mim, desembrulho os meus talheres, manjo, com alguma fome que a minha voracidade deve revelar.
Mas, nessa mesa ao lado, ocorre uma «situação»: a menina está com um prato cheio de bife, batatas fritas, arroz. Não come. E vejo, com estranheza, que os pais é que se envergonham perante mim, perante o meu espírito de economia. Estão furiosos com a filha, que já afirmou, peremptória, que não lhe apetecia mais. Devem estar a pensar «Isto é estragar comida», «Os meninos de Àfrica», «Mimada», esse género de coisas.
- És pior que os pequenitos!, atira-lhe a mãe, num mal contido acesso de fúria.
- Eu não sabia que era assim - lamenta-se a petiza. - Se eu soubesse que o prato era assim, não tinha pedido!
A mãe não sabe o que há-de fazer. O pai finge desaparecer. Estou, pela minha simples existência em torno de um prato de lasanha, representando uma lição de moral. Fico sem saber como me comportar.
Quase me apetecia, para resolver o problema, sentar-me à mesa deles. E, como alguns prisioneiros, no refeitório, perguntar à gorda:
- Não vais comer isso...? Importas-te?
Atirando-me imediatamente ao seu bife com batas fritas...
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